O enfezamento geral da nação
Alerta etimológico: o título acima nada tem a ver com a desde já clássica declaração do presidente Jair Bolsonaro, feita nesta sexta-feira (9), de que, para poluir menos o meio ambiente, as pessoas poderiam "fazer cocô dia sim, dia não". Obedecer à orientação do nosso governante faria mal à saúde dos cidadãos, mas não os deixariam "enfezados". A palavra vem do latim infensátum, que significa "ser hostil a". Aquilo que o ocupante do Palácio do Planalto quer que se prenda nos intestinos por 48 horas vem de faecis, "sedimento".
A dica ambiental de Bolsonaro deixaria os brasileiros, para a usar a palavra adequada, constipados. Enfezados já estão. Enfezados, ressentidos, irritados, ressabiados, virulentos, amargos, ásperos, enraivecidos, agastados, zangados, irascíveis. Uns com os outros. Já era assim antes da eleição de Bolsonaro, claro, e ninguém achou que ia melhorar com ele no poder. Estaria piorando? Estamos ainda mais azedos em nossa polarização?
O presidente liberou o verbo nas últimas semanas. Mais do que quando era candidato, quando os eleitores menos resolutos afirmavam que "ele era bronco mesmo, mas vai fazer a coisa certa e, além disso, tudo menos o PT". Nem o presidente americano Donald Trump, ídolo de Bolsonaro, quando sai à compra de inimizades, chega ao ponto de ofender os habitantes de uma região inteira de seu país, de baciada, como fez o brasileiro com o Nordeste.
O argumento agora é que não deveríamos nos fixar nas palavras do presidente, mas em seus atos. Que ele pode defender a constipação geral da nação, fazer pouco caso da tortura sofrida por vítimas da ditadura, afirmar que só falta ter uma cabeça maior para ser nordestino e ironizar jornalistas que todos os dias o acompanham em sua agenda para deixar a sociedade informada… enfim, que ele pode dizer o indizível sobre qualquer tema, mas o que importa é se vai aprovar as reformas que o país precisa.
Trata-se de uma sugestão tentadora. Seria ótimo passar alguns dias sem ter que comentar as últimas diatribes verbais do mandatário. Sem ter que fazer o público em geral se enfezar, se enfervecer, perder as estribeiras, balançar a cabeça, encolerizar-se, fremir de indignação com suas mais recentes declarações. Fixemos nossas atenções no Diário Oficial e nos trâmites do Congresso.
O problema é que as palavras têm peso, e as do presidente não estão soltas no espaço. Elas muitas vezes estão atreladas a medidas concretas que precisam ser compreendidas e analisadas, para que os cidadãos descubram o que o governo pretende com elas e como serão afetados. Todos querem saber se o governo vai ressuscitar a CPMF, por exemplo. Uma resposta atravessada a um repórter sobre isso não esclarece nada, apenas confunde.
Ou então assumimos que quem está no controle de tudo não é o capitão e que não precisamos mais escutá-lo. Ou então que ele é um estadista a portas fechadas, mas um péssimo porta-voz de si mesmo.
Paremos, então, de dar ouvidos ao presidente.
Suspeito, porém, que nem isso fará bem ao enfezamento geral da nação.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.