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Diogo Schelp

Fundo Amazônia foi criado para compensar impacto ambiental na Noruega

Diogo Schelp

16/08/2019 16h41

Petróleo

Exploração de petróleo na Noruega (Foto: Nerijus Adomatis/Reuters)

A Noruega explora petróleo e mata baleias, como "denunciou" o presidente Jair Bolsonaro? Sim. Isso é uma prova da hipocrisia do país, que é o principal doador do Fundo Amazônia? Não.

O bloqueio dos recursos para o fundo por parte da Noruega e da Alemanha, outra doadora, tem razão técnica ou política? Acima de tudo, política. Mas vamos por partes.

A Noruega é o segundo maior exportador de gás natural do mundo. Além disso, petróleo e gás representam metade das exportações, em dólar, do país. Por ser uma nação pouco populosa, com apenas 5 milhões de habitantes, a Noruega decidiu fazer uma boa reserva em dinheiro para o futuro que lhe permitisse paulatinamente reduzir a exploração de combustíveis fósseis. A reserva é depositada em um fundo soberano — o maior do mundo, que em 2017 extrapolou o montante de 1 trilhão de dólares. Já a queda na produção se deve em parte porque o país vem barrando a exploração de novos campos de petróleo em áreas sensíveis do ponto de vista ambiental. A dupla estratégia tem dois objetivos, ao longo dos anos: diversificar a economia norueguesa e minimizar o impacto ambiental de sua principal riqueza.

Doar recursos para iniciativas de preservação ambiental no exterior faz parte do segundo objetivo. A Noruega paga a outros países para compensar o fato de que despeja cerca de 2 milhões de barris de petróleo por dia no mercado mundial. Isso não é nenhum segredo e tem até uma lógica econômica. Em entrevista ao jornal britânico Financial Times, em 2016, Vidar Helgesen, o então ministro do Meio Ambiente da Noruega, explicou: "A gestão eficiente dos custos é algo a ser considerado. Se o dinheiro norueguês pode resultar em mais reduções de emissão de carbono no exterior do que por meio de ações similares na Noruega, então isso é melhor para o ambiente." Ou seja, se 1 dólar aplicado, por exemplo, na preservação da Floresta Amazônica evita mais emissões de gases do efeito estufa do que o mesmo valor gasto em uma medida ambiental na Noruega, então é preferível fazer esse gasto no Brasil.

O Fundo Amazônia foi criado em agosto de 2008 com esse propósito. Se a Noruega não aparecesse para financiá-lo, ele sequer existiria. A lógica do acordo obedecia ao conceito, muito discutido na época, de Redução das Emissões oriundas do Desmatamento e Degradação florestal (REDD). A proteção da floresta alcançada com o fundo geraria certificados de emissões "evitadas" — com valor simbólico para os países doadores, mas que não poderiam ser negociados no mercado de carbono. Ou seja, a Noruega e outros países doadores podem usar os êxitos do fundo para mostrar ao mundo (e aos noruegueses, que pagam a conta) que estão fazendo algo pelo bem do planeta, mas não para atingir as próprias metas de redução de carbono.

A questão da ingerência de países estrangeiros na Floresta Amazônica foi uma das preocupações que envolveu a criação do Fundo Amazônia. A suspeita de que o mundo está de olho nas nossas riquezas naturais, afinal, não é uma exclusividade do bolsonarismo. A base eleitoral do ex-presidente Lula também tinha essa paranoia. Tanto que o então primeiro-ministro Jens Stoltenberg, durante cerimônia de lançamento no Palácio do Planalto, fez questão de dizer que os doadores não fariam qualquer ingerência na gestão do fundo. Isso ficaria inteiramente nas mãos do Brasil.

Eis por que as suspensões das doações ao fundo anunciadas esta semana pela Noruega e Alemanha são decisões políticas. São uma resposta às declarações provocativas de Jair Bolsonaro e de uma necessidade que os governos desses países têm de prestar contas às suas próprias populações.

A Noruega, portanto, enriquece com petróleo e reduz o peso na consciência bancando iniciativas ambientais em outros países (os investimentos de seu fundo soberano, por exemplo, têm focado cada vez mais em empreendimentos sustentáveis). Isso é bom e não deveria ser nenhuma surpresa.

A propósito: o carpaccio de baleia que eles servem na Noruega é uma delícia. Ainda assim, e ainda bem, trata-se de uma atividade pesqueira em declínio. Por causa do aquecimento global, as baleias procuram águas geladas cada vez mais distantes, ao norte, e o custo para caçá-las aumentou.

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.