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Diogo Schelp

Se Trump quer comprar Groenlândia, é porque reconhece aquecimento global

Diogo Schelp

18/08/2019 04h04

Groenlândia

Iceberg próximo a pequena cidade costeira na Groenlândia: gelo derretendo (Foto: Karl Petersen/AFP)

O presidente americano Donald Trump diz que o aquecimento global é uma farsa inventada pelos chineses para conter o progresso econômico do Ocidente. Em 2017, anunciou a retirada dos Estados Unidos do Acordo de Paris, um compromisso assinado por quase 200 países para reduzir as emissões dos gases que contribuem para a elevação da temperatura média da água dos oceanos e da atmosfera. Esta semana, porém, ele deu um sinal de que reconhece a existência das mudanças climáticas e de seus efeitos. Tanto que quer lucrar com isso.

Trump consultou assessores sobre a possibilidade de comprar a Groenlândia, um território autônomo da Dinamarca que, geograficamente, se situa na América do Norte. A maior parte dessa que é a maior ilha não continental do mundo fica dentro do Círculo Polar Ártico. Ou seja, trata-se de um lugar inóspito, pois nada menos que 75% do território é coberto por gelo permanente. Isso está mudando rapidamente devido ao aquecimento global. O gelo está derretendo, formando caudalosos cursos d'água que agora permitem à Groenlândia produzir em usinas hidrelétricas 70% da energia que consume.

Entre 2011 e 2014, o derretimento do gelo da Groenlândia despejou 1 trilhão de metros cúbicos de água no mar. No longo prazo, quando todo o gelo da ilha derreter, isso provocará a elevação do nível dos Oceanos em 7 metros. As praias cariocas ficarão inteiramente debaixo d'água e algumas nações insulares, como as Maldivas, simplesmente desaparecerão. Para os habitantes da Groenlândia, porém, os efeitos positivos da mudança climática tendem a suplantar os negativos. No inverno, a cobertura de gelo sobre o mar está se formando dois meses mais tarde do que o normal e se dissolvendo um mês mais cedo. A indústria pesqueira está se esbaldando, pois começaram a aparecer cardumes de peixes atlânticos antes encontrados só nas águas mais ao sul da ilha. Os verões estão mais quentes. Chega a fazer 24ºC nos dias mais bonitos. Pela primeira vez desde que os vikings colonizaram a ilha, os 56.000 habitantes da Groenlândia estão comendo batatas plantadas em suas próprias fazendas (não precisam mais importá-las).

Ao vencedor, as batatas? Não, Trump está de olho em outra coisa. Ele está interessado nos inexplorados recursos minerais e fósseis da ilha. O gelo sempre tornou inviáveis a mineração e a exploração de petróleo e gás natural na Groenlândia. O aquecimento global está deixando essas atividades atrativas. A ilha, que tem reservas de zinco, urânio, ferro, ouro e terras raras, abriu-se para a mineração no ano passado. Os combustíveis fósseis ainda nem começaram a ser extraídos, mas estima-se que as reservas sejam de 17 bilhões de barris equivalentes de petróleo no litoral oeste e de 32 bilhões de barris equivalentes no litoral leste. Em termos de reservas provadas, o Brasil tem apenas um quarto disso. 

O interesse de Trump pela Groenlândia também é geopolítico, pois chineses e russos estão procurando estender sua influência para o Ártico — também como consequência do aquecimento global. Por causa da retração do gelo marítimo, abriram-se rotas de navegação que conectam o Oceano Atlântico ao Pacífico pelo norte, encurtando as distâncias e abrindo a possibilidade de exploração dos recursos naturais antes de difícil acesso.

Trump pode até dizer à sua base de eleitores que o aquecimento global é uma teoria fajuta inventada pelos chineses. Mas ele mesmo parece não acreditar nisso. Se não fosse pelo aquecimento global, ele não estaria querendo comprar a Groenlândia.

 

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.