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Diogo Schelp

Não basta apagar incêndios, é preciso combater os incendiários

Diogo Schelp

26/08/2019 16h27

Cadeira de Donald Trump vazia durante reunião do G7, na França (Foto: Ludovic Marin/AFP)

Antes de mais nada, vamos todos aceitar a premissa, que já se tornou consenso até dentro do governo de Jair Bolsonaro, de que o desmatamento da Amazônia aumentou nos últimos doze meses. Sejam os 40% de alta apontados pelo Inpe, sejam os 15% indicados pelo Imazon e aceitos como verdadeiros por Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, em entrevista a este colunista na semana passada, o fato é que o ritmo da devastação está em aceleração. Se o caro leitor duvida até do ministro de Bolsonaro, pare por aqui e vá direto à área de comentários para apresentar as provas em contrário.

Aceita a premissa, olhemos para a frente, para o futuro. A preservação da Floresta Amazônica interessa antes de tudo aos brasileiros, porque, como afirmou mais uma vez o ministro Salles, ela vale mais de pé do que deitada — ou esturricada, para usar uma imagem mais atual.

O que há de concreto pela frente? O G7, grupo das nações mais ricas do mundo, oferece 20 milhões de dólares, o equivalente a cerca de 83 milhões de reais, como ajuda emergencial para conter, de imediato, a atual onda de desmatamento. É um bom dinheiro, considerando que o governo federal desbloqueou 38,5 milhões de reais para as Forças Armadas poderem apagar os incêndios.

O presidente Bolsonaro, no entanto, deixou claro que desconfia dos interesses ocultos por trás da oferta. "Macron promete ajuda de países ricos à Amazônia. Será que alguém ajuda alguém — a não ser uma pessoa pobre, né? — sem retorno? Quem é que está de olho na Amazônia? O que eles querem lá?", disse Bolsonaro nesta segunda-feira (26) a jornalistas, na saída do Palácio da Alvorada.

Disponho-me a responder às perguntas do presidente, já que seus assessores não o fazem. O G7 não está querendo ajudar o Brasil — e os outros oito países por cujos territórios a Amazônia se estende — sem receber nada de volta. Os líderes do G7 esperam vários benefícios em troca.

Entre eles, evitar as emissões de gases do efeito estufa provocados pelo desmatamento e que contribuem para o aquecimento global, consenso científico com o qual o Estado brasileiro também concorda, como prova o fato de que somos signatários do Acordo de Paris para Mudanças Climáticas. Já que o aquecimento global, como o próprio nome diz, é algo que afeta o globo (a não ser na visão dos terraplanistas), todos têm a ganhar com a contenção do desmatamento da Amazônia.

Há outros "retornos" esperados pelos líderes do G7, claro. Um deles é ficar bem com os seus eleitores. Afinal, estamos falando de democracias.

O presidente Emmanuel Macron enfrenta pressão interna por causa do acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul, algo que desagrada muito ao subsídiodependente (perdoem-me o palavrão emprestado dos portugueses) setor agrícola francês. Já a chanceler Angela Merkel está com sua força política em queda na Alemanha, onde as pautas verdes são caras tanto à esquerda radical quanto aos conservadores.

(A exceção talvez se restrinja ao presidente americano Donald Trump, que tirou seu país do Acordo de Paris e sequer compareceu à discussão de seus pares a respeito da Amazônia.)

Estão de olho na Amazônia? Quem não está. Quem não gostaria de ter um patrimônio da biodiversidade como esse. O próprio Macron reavivou, ainda que hipoteticamente, a teoria maluca da internacionalização da Amazônia. Mais um motivo para o governo brasileiro tratar de preservá-la. Em todos os sentidos.

A pergunta correta não é se estão de olho. O que o presidente questiona é se a ajuda oferecida pelo G7 coloca em risco a soberania do Brasil sobre a parte que lhe cabe da Amazônia (a Amazônia Legal, portanto). Para saber a resposta, é preciso descer aos detalhes. O governo deve reunir os técnicos dos ministérios da Defesa, da Justiça e do Meio Ambiente e analisar as condições colocadas pelo G7 para a ajuda.

A simples presença de aviões e pilotos canadenses especializados em combate ao fogo não representa nenhuma ameaça. O Brasil aceitou ajuda de militares israelenses no resgate às vítimas do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho e nem por isso alegou-se que a soberania nacional estava em perigo.

O plano do G7 de ajuda à Amazônia inclui um programa de reflorestamento que terá de ser aprovado pelo Brasil no âmbito da ONU. É de se esperar que o governo não se prenda à sua animosidade atávica em relação ao terceiro setor, que terá de fazer parte do tal programa.

Como disse Salles e reconheceu Bolsonaro, as queimadas têm uma origem criminosa. Além da investigação para apontar os responsáveis, é preciso recuperar os esforços de fiscalização para coibi-los.

Afinal, é preciso ter em mente que não basta apagar os incêndios, é preciso combater os incendiários. Deveria ser assim para tudo o que se refere à administração pública, aliás. Na diplomacia, também.

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.