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Diogo Schelp

Bolsonaro é mais dono do PSL do que Lula é do PT

Diogo Schelp

19/09/2019 04h01

Bolsonaro e Bivar

Jair Bolsonaro e Luciano Bivar, em 2018 (Foto: Divulgação/PSL)

Responda rápido: qual foi o grande erro estratégico do PT nas eleições presidenciais do ano passado? Respondeu?

Se estivermos de acordo que o PT é um partido político (há quem diga que seja uma organização criminosa; mas não, é um partido, sim), então podemos concluir que ele consiste em um agrupamento de pessoas que atuam em conjunto para chegar ao poder.

Só que nas eleições presidenciais passadas, o objetivo prioritário não era chegar ao poder, era tirar Lula da cadeia. Para isso, o PT insistiu no erro estratégico de declarar seu líder como virtual candidato até a última hora — matando ou reduzindo significativamente, na prática, qualquer chance de seu substituto, Fernando Haddad, crescer como candidato.

(Claro, a incapacidade do partido de fazer uma autocrítica das roubalheiras escancaradas pela Lava Jato também atrapalhou.)

Lula não era o dono do PT, mas foi se tornando com o passar dos anos. Foi um processo gradual, que exigiu o expurgo de dissidentes e críticos internos — não por ideologia, mas por contestarem a supremacia do lulismo e de seus métodos — antes e depois de ele se tornar presidente.

Atualmente, o que a população sabe sobre a agenda do PT? Não vai muito além do "Lula livre".

LEALDADE ACIMA DE TUDO

Jair Bolsonaro também não era dono do PSL. Esse título cabia melhor a Luciano Bivar, seu presidente, um fato que tinha pouca importância enquanto o partido era pequeno e navegava erraticamente no mar da política brasileira, ora apoiando Marina Silva a presidente (em 2014), ora abrigando e depois expelindo um movimento de liberais "da gema".

Na verdade, Bolsonaro nem era do PSL até o ano passado, quando se filiou para concorrer à presidência.

Foi assim que Bolsonaro levou o PSL ao poder, não apenas na presidência, mas também no Congresso Nacional, realizando a razão de ser de qualquer partido.

Mas o presidente, como contrapartida, decidiu ser dono do PSL, tal como Lula é dono do PT. Trata-se, digamos, de uma propriedade familiar, pois os desígnios dos filhos zero isso, zero aquilo, também contam.

Exige-se lealdade e submissão total dos integrantes do PSL ao presidente e a seus filhos.

Lealdade partidária é uma coisa. Mas o que Bolsonaro quer é o mesmo tipo de lealdade que Haddad jurou a Lula antes de ser confirmado como candidato presidencial na campanha do ano passado: uma lealdade pessoal.

O presidente não quer que ninguém se ponha no caminho de sua reeleição, em 2022. Os adversários, especialmente os que estão no mesmo campo ideológico, devem ser abatidos antes da decolagem. Como Lula, ele se vê como único aspirante legítimo a permanecer na cadeira presidencial.

UM HIT ELEITORAL

O nome dele é Wilson Witzel; ele não é do PSL, mas poderia ser. Faz flexões em academias de polícia e comemora a morte de bandidos com socos no ar. Foi eleito governador do Rio de Janeiro na esteira da ascensão de Bolsonaro à presidência, com um discurso idêntico. Um dos filhos do presidente, o vereador do Rio Carlos Bolsonaro, é do seu partido, o PSC. Outro, Flávio Bolsonaro, eleito senador, o apoiou.

Mas Witzel fez algumas críticas ao presidente e demonstrou seu interesse em se candidatar a presidente em 2022. A audácia foi punida com a ordem, dada pelo presidente via Flávio Bolsonaro, para que os integrantes do PSL desembarquem do governo de Witzel, sob o risco de serem expulsos da legenda.

Não se trata aqui de defender Witzel, cujos parâmetros éticos podem ser resumidos em uma reportagem sobre plágio em dissertação de mestrado. A questão é que romper com um aliado como o plagiador, ops, governador do Rio tão cedo, a três anos das eleições, não parece uma estratégia muito acertada do ponto de vista de perpetuação de um projeto político.

Muita coisa pode rolar até lá, inclusive algo que impeça Jair Bolsonaro de concorrer novamente.

A não ser que esse projeto político tenha um só sobrenome. Nesse caso, podemos declarar oficialmente que Bolsonaro e família são mais donos do PSL do que Lula é do PT.

Do jeito que a coisa vai, ou Bivar aceita que Bolsonaro assuma a "propriedade" da sigla, ou o presidente terá que procurar outra legenda para chamar de sua.

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.