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Diogo Schelp

Processo de impeachment contra Trump ajuda ou atrapalha Joe Biden?

Diogo Schelp

27/09/2019 16h23

Joe Biden

Joe Biden, ex-vice-presidente e atual pré-candidato democrata à presidência dos Estados Unidos (Foto: Mike Blake/Reuters)

Os deputados democratas passaram quase três anos se esquivando de abrir um processo de impeachment contra o presidente americano Donald Trump, como desejava ardentemente sua base eleitoral.

A primeira justificativa para afastá-lo do cargo a ser descartada foi o caso Russiagate, sobre o empenho da equipe de campanha de Trump em conseguir ajuda de Moscou nas eleições de 2016. A segunda foram os comentários xenófobos do presidente contra um grupo de deputadas democratas, este ano.

Em ambos os casos, o cálculo da liderança democrata na Câmara dos Representantes era de que um processo de impeachment aumentaria ainda mais a polarização política do país — um cenário que favorece eleitoralmente Trump, cujo estilo político se alimenta do confronto com a oposição.

Revelado este mês, o caso do telefonema para a Ucrânia — em que Trump pediu ao presidente do país do Leste Europeu para investigar Joe Biden, o principal pré-candidato com chances de desafiar seus planos de reeleição em 2020 — aparentemente deixou a democrata Nancy Pelosi, a presidente da Câmara dos Representantes, sem opção.

Abrir um inquérito para iniciar um processo de impeachment do presidente a pouco mais de um ano das eleições era uma manobra arriscada. Mas não fazer nada diante de evidências tão claras de abuso do cargo tampouco parecia possível. Pelosi decidiu iniciar o impeachment.

As chances de que Trump perca o cargo são ínfimas. Os democratas controlam a Câmara dos Representantes, mas é no Senado que se vota o impeachment, e lá o partido do presidente tem maioria com folga.

Resta, então, saber como o novo escândalo em que se meteu o presidente e o processo de impeachment se refletirão nas eleições presidenciais do ano que vem.

Manobra sórdida

Do ponto de vista de Trump, há duas possibilidades.

A primeira é a de que as investigações para o impeachment tragam à tona verdades ainda mais constrangedoras sobre o seu comportamento inadequado e antiético na Casa Branca. Isso pode aumentar ainda mais o desgaste da sua gestão, que é desaprovada por 53% dos americanos.

A segunda é a de que, ao sobreviver ao processo de impeachment, Trump se apresente como vítima da perseguição democrata e como vitorioso de um manobra sórdida da oposição para derrubá-lo fora das urnas.

Para entender como esses dois cenários podem se refletir nas urnas, é preciso combiná-los com o efeito do processo de impeachment sobre Joe Biden, o principal pré-candidato democrata à presidência.

Antes de mais nada, é preciso lembrar que Biden ainda precisa vencer as primárias democratas para sair candidato.

O fato de ele ter sido o alvo da pressão de Trump sobre o governo ucraniano pode ajudar Biden, pois isso o coloca, aos olhos dos eleitores democratas, como o pré-candidato de quem o presidente mais tem medo.

Por outro lado, a conversa de Trump com o presidente ucraniano joga um holofote sobre suspeitas antigas a respeito da atuação profissional do filho de Biden, Hunter, na Ucrânia — e isso pode ter impacto tanto na pré-campanha quanto nas eleições presidenciais em si.

A Ucrânia dos Biden

Hunter Biden foi contratado com um salário mensal de 50.000 dólares por um empresa de gás ucraniana, a Burisma Holdings, em 2014, no mesmo ano em que Joe Biden, então vice-presidente dos Estados Unidos na gestão Barack Obama, se viu envolvido na reação americana à invasão da Crimeia, um território ucraniano, pela Rússia.

Dois anos depois, Biden ajudou a pressionar pela demissão do procurador-geral ucraniano Viktor Shokin, cuja equipe, coincidência ou não, havia aberto uma investigação contra a Burisma. Ocorre que Shokin era considerado corrupto e enfrentava resistência de outros líderes ocidentais.

Havia, portanto, outros tantos motivos para querer que ele fosse afastado e não surgiram provas concretas de que os interesses profissionais de Hunter Biden determinaram as ações do pai para a Ucrânia.

Duelo de vítimas

Essas provas são exatamente o que Trump esperava conseguir com a ajuda de Volodymyr Zelensky, o presidente ucraniano que tomou posse este ano.

O problema para Trump é que elas dificilmente aparecerão.

O governo ucraniano está disposto a reabrir as investigações a respeito da Burisma, mas elas não estarão focadas em Biden ou seu filho. Além disso, um ex-procurador-geral da Ucrânia disse ao jornal americano Washington Post nesta quinta-feira (26) que não havia nada que envolvesse Joe ou Hunter Biden nas falcatruas da Burisma.

Se nada de novo surgir a respeito da relação dos Biden com a Burisma, portanto, o mais provável é que a história seja absorvida pela opinião pública americana dentro do já previsível jogo polarizado: quem é a favor de Biden verá o episódio como uma prova de que Trump queria persegui-lo politicamente, e quem é a favor de Trump continuará vendo no caso uma prova de que Biden é corrupto.

Diante desse impasse, o que se vislumbra é que, se as eleições fossem hoje entre Trump e Biden, ambos estariam usando o discurso de vítima para angariar votos: o republicano dizendo que está sendo perseguido injustamente com o processo de impeachment e o democrata argumentando que Trump tenta persegui-lo por meio de acusações fabricadas com a ajuda de um governo estrangeiro.

O ucraniano Zelensky, que antes de se tornar presidente era comediante na TV, faria uma boa esquete sobre isso — se não estivesse no fogo cruzado.

 

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.