Processo de impeachment contra Trump ajuda ou atrapalha Joe Biden?
Os deputados democratas passaram quase três anos se esquivando de abrir um processo de impeachment contra o presidente americano Donald Trump, como desejava ardentemente sua base eleitoral.
A primeira justificativa para afastá-lo do cargo a ser descartada foi o caso Russiagate, sobre o empenho da equipe de campanha de Trump em conseguir ajuda de Moscou nas eleições de 2016. A segunda foram os comentários xenófobos do presidente contra um grupo de deputadas democratas, este ano.
Em ambos os casos, o cálculo da liderança democrata na Câmara dos Representantes era de que um processo de impeachment aumentaria ainda mais a polarização política do país — um cenário que favorece eleitoralmente Trump, cujo estilo político se alimenta do confronto com a oposição.
Revelado este mês, o caso do telefonema para a Ucrânia — em que Trump pediu ao presidente do país do Leste Europeu para investigar Joe Biden, o principal pré-candidato com chances de desafiar seus planos de reeleição em 2020 — aparentemente deixou a democrata Nancy Pelosi, a presidente da Câmara dos Representantes, sem opção.
Abrir um inquérito para iniciar um processo de impeachment do presidente a pouco mais de um ano das eleições era uma manobra arriscada. Mas não fazer nada diante de evidências tão claras de abuso do cargo tampouco parecia possível. Pelosi decidiu iniciar o impeachment.
As chances de que Trump perca o cargo são ínfimas. Os democratas controlam a Câmara dos Representantes, mas é no Senado que se vota o impeachment, e lá o partido do presidente tem maioria com folga.
Resta, então, saber como o novo escândalo em que se meteu o presidente e o processo de impeachment se refletirão nas eleições presidenciais do ano que vem.
Manobra sórdida
Do ponto de vista de Trump, há duas possibilidades.
A primeira é a de que as investigações para o impeachment tragam à tona verdades ainda mais constrangedoras sobre o seu comportamento inadequado e antiético na Casa Branca. Isso pode aumentar ainda mais o desgaste da sua gestão, que é desaprovada por 53% dos americanos.
A segunda é a de que, ao sobreviver ao processo de impeachment, Trump se apresente como vítima da perseguição democrata e como vitorioso de um manobra sórdida da oposição para derrubá-lo fora das urnas.
Para entender como esses dois cenários podem se refletir nas urnas, é preciso combiná-los com o efeito do processo de impeachment sobre Joe Biden, o principal pré-candidato democrata à presidência.
Antes de mais nada, é preciso lembrar que Biden ainda precisa vencer as primárias democratas para sair candidato.
O fato de ele ter sido o alvo da pressão de Trump sobre o governo ucraniano pode ajudar Biden, pois isso o coloca, aos olhos dos eleitores democratas, como o pré-candidato de quem o presidente mais tem medo.
Por outro lado, a conversa de Trump com o presidente ucraniano joga um holofote sobre suspeitas antigas a respeito da atuação profissional do filho de Biden, Hunter, na Ucrânia — e isso pode ter impacto tanto na pré-campanha quanto nas eleições presidenciais em si.
A Ucrânia dos Biden
Hunter Biden foi contratado com um salário mensal de 50.000 dólares por um empresa de gás ucraniana, a Burisma Holdings, em 2014, no mesmo ano em que Joe Biden, então vice-presidente dos Estados Unidos na gestão Barack Obama, se viu envolvido na reação americana à invasão da Crimeia, um território ucraniano, pela Rússia.
Dois anos depois, Biden ajudou a pressionar pela demissão do procurador-geral ucraniano Viktor Shokin, cuja equipe, coincidência ou não, havia aberto uma investigação contra a Burisma. Ocorre que Shokin era considerado corrupto e enfrentava resistência de outros líderes ocidentais.
Havia, portanto, outros tantos motivos para querer que ele fosse afastado e não surgiram provas concretas de que os interesses profissionais de Hunter Biden determinaram as ações do pai para a Ucrânia.
Duelo de vítimas
Essas provas são exatamente o que Trump esperava conseguir com a ajuda de Volodymyr Zelensky, o presidente ucraniano que tomou posse este ano.
O problema para Trump é que elas dificilmente aparecerão.
O governo ucraniano está disposto a reabrir as investigações a respeito da Burisma, mas elas não estarão focadas em Biden ou seu filho. Além disso, um ex-procurador-geral da Ucrânia disse ao jornal americano Washington Post nesta quinta-feira (26) que não havia nada que envolvesse Joe ou Hunter Biden nas falcatruas da Burisma.
Se nada de novo surgir a respeito da relação dos Biden com a Burisma, portanto, o mais provável é que a história seja absorvida pela opinião pública americana dentro do já previsível jogo polarizado: quem é a favor de Biden verá o episódio como uma prova de que Trump queria persegui-lo politicamente, e quem é a favor de Trump continuará vendo no caso uma prova de que Biden é corrupto.
Diante desse impasse, o que se vislumbra é que, se as eleições fossem hoje entre Trump e Biden, ambos estariam usando o discurso de vítima para angariar votos: o republicano dizendo que está sendo perseguido injustamente com o processo de impeachment e o democrata argumentando que Trump tenta persegui-lo por meio de acusações fabricadas com a ajuda de um governo estrangeiro.
O ucraniano Zelensky, que antes de se tornar presidente era comediante na TV, faria uma boa esquete sobre isso — se não estivesse no fogo cruzado.
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