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Diogo Schelp

Voyager I, novo navio suspeito de derramar óleo, aproxima-se do Brasil

Diogo Schelp

18/11/2019 11h15

Voyager I

O navio-tanque Voyager I, pertencente à Gulf Marine Management Deutschland, ou GMM(D), em foto divulgada por laboratório da Universidade Federal de Alagoas, com o nome da embarcação apagado (Imagem: Lapis/Divulgação)

Com base em uma imagem do satélite Sentinel 1-A que mostra o que parece ser uma mancha de óleo a 25 quilômetros do litoral da Paraíba, no último dia 19 de julho, um pesquisador da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) analisou as rotas de 111 navios e concluiu que um deles teve comportamento incomum, o que pode indicar que foi o responsável pelo vazamento de óleo cru no Nordeste.

O nome da embarcação não foi divulgado, mas é possível identificá-la pela fotografia que o pesquisador Humberto Barbosa, do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis) da Ufal, distribuiu à imprensa neste domingo (17) como sendo a foto do navio suspeito.

Trata-se do Voyager I, navio-tanque de bandeira das Ilhas Marshall que está registrado em nome da Gulf Marine Management Deutschland, ou GMM(D), empresa com sede em Hamburgo, na Alemanha. Segundo uma descrição disponível na internet com data de 2011, a GMM(D) opera navios a serviço da Saudi Pacific Star, uma empresa com sede em Riade, na Arábia Saudita.

Este blogueiro ligou para o telefone que consta como sendo do escritório da GMM(D) em Hamburgo, mas a chamada cai em outra empresa, sem relação com o setor naval. A telefonista informou que o número não pertence mais à GMM(D) desde maio deste ano.

Na página da Gulf Marine Management Deutschland no LinkedIn, uma rede social profissional, também há parcas informações sobre a empresa. O endereço de site oficial indicado ali, www.gulfmarine.de, é inexistente e cai em um página de venda de domínio. No LinkendIn, 21 pessoas estão registradas como funcionárias da GMM(D). O membro da rede social que se identifica, anonimamente, como CEO da empresa mora em Krasnodar, território da Rússia que dá acesso ao Mar Negro. Este blogueiro tentou contato com ele ou ela nesta segunda-feira (18), ainda sem sucesso.

Investigação paralela

Ao contrário de outra linha de investigação — baseada nas análises de satélite feitas pela empresa Hex Tecnologia Geoespacial, que identificaram como possível origem do vazamento uma mancha de óleo no dia 29 de julho a 700 quilômetros do litoral brasileiro e que fizeram o governo federal suspeitar do navio grego Bouboulina —, o pesquisador Humberto Barbosa, do Lapis, sustenta-se em imagens de diferentes satélites, feitas no dia 24 de julho, que mostram uma possível mancha de petróleo a 40 quilômetros do litoral do Rio Grande do Norte.

A nova imagem satelital divulgada neste fim de semana pelo Lapis é ainda mais antiga, de 19 de julho, e está situada mais ao sul, a 26 quilômetros do litoral da Paraíba. Uma das principais críticas da Marinha à análise do Lapis é que, se o vazamento tivesse começado tão ao norte, não teria sido levado pelas correntes marítimas para os estados ao sul do Nordeste, como a Bahia.

Depois de validar as mais recentes imagens de satélite, o pesquisador Humberto Barbosa analisou os navios que transportaram petróleo na região em datas próximas ao possível início do vazamento. Um deles revelou um comportamento suspeito, por ter desligado o transponder (equipamento que permite o rastreamento em tempo real do percurso da embarcação), entre os dias 1º de julho e 13 de agosto. Ou seja, nesse período, segundo o Lapis, a embarcação teria se comportado como um navio fantasma.

Se a imagem divulgada pela universidade estiver correta, trata-se do Voyager I, como indicam as fotos disponíveis no site de rastreamento de navios Marine Traffic.

Voyager I

O navio-tanque Voyager I em foto de 2003, quando se chamava Leo Glory (Imagem: Marine Traffic/Reprodução)

Antes de se chamar Voyager I, o navio em questão teve outros cinco nomes, desde 2005: DS Voyager, Leo Glory, Leo GLH, Crude Sun e Violando.

O Voyager I tem uma arqueação bruta (volume interno) de 160.100. O Bouboulina, considerado o principal suspeito pelo vazamento segundo a Marinha brasileira, tem quase a metade disso, 84.844. O Voyager I é um navio bem maior, portanto.

Ele costuma ser usado para transportar petróleo da Venezuela para a Ásia. As exportações de petróleo cru venezuelano estão sob sanção dos Estados Unidos desde o início do ano. Por isso, poucas empresas se arriscam a fazer o transporte e alguns navios desligam o sistema da rastreamento para ocultar o destino do produto.

Se de fato houve algum incidente que causou vazamento de óleo do Voyager I, não foi nada que deixou-o fora de operação. A embarcação zarpou de Puerto José, na Venezuela, no dia 8 deste mês, e está a caminho de Singapura, na Ásia, com o transponder ligado.

Às 22h de domingo (17), o Voyager I estava próximo do Suriname e da Guiana Francesa. A embarcação passará ao largo do litoral brasileiro esta semana, portanto.

Voyager I

O ponto vermelho indica a localização do Voyager I às 22h de domingo, 17, segundo o site Marine Traffic (Imagem: Marine Traffic/Reprodução)

A Marinha contesta desde o início as conclusões da investigação feita pelo Lapis. Nenhum comunicado, no entanto, foi divulgado a respeito das revelações feitas neste fim de semana sobre o novo navio com comportamento incomum. Para a Marinha e para o governo brasileiro, o principal suspeito continua sendo o Bouboulina.

A empresa proprietária do navio grego, porém, nega ser responsável pelo vazamento. Uma análise independente feita pela Skytruth, uma organização dos Estados Unidos, também contesta que o Bouboulina seja o culpado pelo desastre ambiental no Nordeste. 

Humberto Barbosa, do Lapis, afirma que os detalhes de sua pesquisa serão revelados na próxima quinta-feira (21) em uma audiência da comissão do Senado que acompanha as investigações sobre a origem do vazamento de óleo.

* * *

Atualização: Quatro dias após a publicação desta notícia, a empresa Sanibel Shiptrade Ltd divulgou uma nota afirmando ser a atual proprietária do Voyager I e negando que a embarcação estava em águas brasileiras no período em que, segundo o Lapis, ocorreu o vazamento de óleo. 

Diz um dos trechos da nota: "A Sanibel Shiptrade possui evidências independentes de que o navio-tanque Voyager I esteve no Terminal de Petróleo Vadinar em Gujarate, na Índia, entre 20 de junho de 2019 e 21 de agosto do mesmo ano, data em que deixou o local com destino a Fujairah, nos Emirados Árabes Unidos. A localização da embarcação é confirmada por imagens de satélite, documentação do porto e declarações de agentes locais."

Questionada por este blog sobre o motivo do sinal do Voyager I não aparecer no sistema de rastreamento marítimo (AIS) analisado pelo Lapis no período do vazamento, a empresa respondeu, por meio de sua assessoria: "Enquanto o AIS não estava transmitindo durante o período, os dados do rastreamento de informações de longo alcance (LRIT) estavam sendo transmitidos do navio via Polestar para o país da bandeira do navio, ou seja, Ilhas Marshall. O LRIT faz a identificação e rastreamento global de navios e é requerido pela Organização Marítima Internacional (IMO). Esses dados fornecem um registro preciso da posição da embarcação e foram recebidos pelo Registro de Navios das Ilhas Marshall ao longo de junho, julho e agosto. No último sábado, as Ilhas Marshall (bandeira pela qual a Voyager 1 navega) divulgaram uma declaração à imprensa grega afirmando o seguinte: 'O Administrador Marítimo da República das Ilhas Marshall confirma que os dados de Identificação e Rastreamento de Longo Alcance da Polestar mostram o navio VOYAGER 1 (IMO 9233789 ) nas proximidades do Terminal Vladinar, Índia, entre 20 de junho e 21 de agosto de 2019'."

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.