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Diogo Schelp

Coronavírus ou autoritavírus: o que é pior para a economia?

Diogo Schelp

27/02/2020 15h05

Coronavírus

Passageiros usam máscaras devido ao coronavírus no Aeroporto Internacional de Guarulhos (Foto: Reuters)

Há apenas uma semana, noticiava-se que o presidente Jair Bolsonaro estava pressionando o ministro da Economia, Paulo Guedes, a tomar medidas para garantir um crescimento de, no mínimo, 2% do PIB este ano. Naquele momento, essa cobrança estava dentro das expectativas do mercado, ainda que no limite.

Não mais. Instituições financeiras internacionais estão revendo as estimativas de crescimento para o Brasil, em meio a uma forte queda no Ibovespa e à alta do dólar. O Bank of America projeta um crescimento de 1,9% para a economia brasileira em 2020.

A causa imediata do nervosismo dos mercados, que se reflete nas revisões dos números, é a confirmação do primeiro paciente com o novo coronavírus no país. A notícia rendeu até pergunta em coletiva de imprensa em Washington ao presidente americano Donald Trump — que respondeu, corretamente, que a situação no Brasil preocupava menos do que, por exemplo, na Itália, onde o número de contaminados disparou nos últimos dias.

Como avisam os infectologistas, não há motivo para alarde. Primeiro, porque acredita-se que o vírus não se alastra com tanta facilidade em climas mais quentes. Segundo, porque o SARS-CoV-2 não é dos vírus mais letais, sendo mais perigoso em pessoas que já têm a saúde frágil. Se essas avaliações se provarem corretas, o impacto de médio prazo do coronavírus na economia brasileira pode ser limitado.

Nesse caso, o que o Brasil está sentindo com a baixa na bolsa de valores seria a dor aguda de um mal passageiro, não fosse por um detalhe importante: a epidemia do coronavírus não está sequer perto do fim no resto do mundo. Por esse motivo, o dano à economia mundial em 2020 é dado como certo e o Brasil não escapará dos seus efeitos.

Contra isso, não há muito o que o governo possa fazer, a não ser adotar as medidas corretas de saúde pública para evitar o maior contágio do vírus na população.

Mas há outra enfermidade ainda mais perigosa para a saúde econômica do país, que tem tudo para provocar dores crônicas: a que é causada pelo vírus do autoritarismo.

A agenda econômica da equipe de Paulo Guedes, para avançar, depende da boa vontade do Congresso em um ano eleitoral: reformas administrativa e tributária, privatizações, PECs de ajuste fiscal, marcos legais dos setores de energia elétrica e saneamento, etc.

O contexto, em si, já não é favorável, mas se agravou agora que o governo entrou em confronto com o Poder Legislativo, ao dar rédeas soltas a uma ala do bolsonarismo que quer botar o povo nas ruas em atos contra o Congresso, como resposta a uma disputa com o Planalto a respeito da alocação de recursos do Orçamento.

Ao encaminhar por WhatsApp dois vídeos de convocação para as manifestações marcadas para o dia 15 de março, Jair Bolsonaro deu asas a suspeitas de aspirações ditatoriais. É claro que a população tem o direito de se manifestar contra o que e contra quem quiser. Mas ao presidente cabe ater-se ao jogo institucional, a respeitar o sistema de freios e contrapesos que garante o equilíbrio entre os poderes.

Bolsonaro justificou-se dizendo que apenas compartilhou os vídeos com um círculo restrito de amigos. Ainda assim: um presidente que autoriza que seus apoiadores mais próximos atuem para atiçar o povo contra os outros dois poderes da República é um presidente que apresenta os primeiros sintomas do vírus do autoritarismo. Chamemos de autoritavírus.

O contágio tem consequências: uma delas pode ser uma dificuldade maior para aprovar justamente as medidas necessárias para minimizar o impacto econômico do verdadeiro vírus, aquele que veio da China, e para cumprir a meta de crescimento que o próprio presidente impôs — e de que o Brasil tanto precisa.

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Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.