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Diogo Schelp

Congresso e governo fazem política e tiram foco de atos do dia 15 de março

Diogo Schelp

04/03/2020 11h05

Bolsonaro-Alcolumbre-Maia

O presidente Jair Bolsonaro com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, e da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, ao fundo (Foto: Carolina Antunes/PR)

E depois dizem que o jornalismo está desacreditado. Vejam o poder de uma notícia irrefutável: a revelação de que o presidente Jair Bolsonaro compartilhou, via WhatsApp, vídeos convocando sua base mais militante a sair às ruas no próximo dia 15 de março contra o Congresso Nacional e o STF provocou repúdio em diversos setores da sociedade e na cúpula dos outros dois poderes da República e forçou o governo a recuar e a resolver suas pendengas da maneira certa — com negociação.

De imediato, Bolsonaro tratou de minimizar a importância dos vídeos compartilhados, dizendo que eram mensagens privadas, para poucos amigos. Seu temor era de que a reação aos vídeos levasse o Congresso a responder com pautas-bombas, que elevam o gasto público, ou cruzando os braços para reformas econômicas.

Depois, o presidente tentou negar que se tratassem de vídeos recentes, sobre a convocação para os protestos do dia 15. Até esse ponto, a militância bolsonarista estava energizada, sentindo o momento para atrair um grande número de pessoas para as manifestações. Do outro lado, com uma boa dose de exagero, já havia quem falasse em impeachment.

Em seguida, Bolsonaro abraçou a boia salva-vidas jogada pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre, que acenou com a possibilidade de um novo acordo entre governo e Congresso para resolver o impasse sobre as regras para a execução de emendas parlamentares ao orçamento.

Da chantagem à oportunidade

A crise institucional causada pelas mensagens do presidente e pelas acusações, feitas por integrantes do governo, de que o Congresso fazia "chantagem", transformou-se em oportunidade.

Primeiro, porque levou a um debate mais sério, junto à população, sobre o que está em jogo na discussão sobre orçamento impositivo e outras implicações da Lei Orçamentária Anual (LOA), aprovada no ano passado com apoio da base do governo no parlamento. A população descobriu, ali, que o orçamento impositivo serve ao propósito de impedir o "toma lá, da cá" na aplicação dos recursos definidos pelos parlamentares, mas que a fatia que caberia ao relator-geral, atualmente o deputado Domingos Neto (PSD-CE), é abusiva.

Segundo, porque a crise levou muitos parlamentares a se posicionar claramente sobre o assunto, explicando de maneira mais transparente como pensam e como pretendem votar na questão dos vetos presidenciais à Lei Orçamentária. Descobriu-se, assim, que parlamentares que se situam em lados opostos do espectro político compartilham de opiniões muito parecidas sobre as regras para a execução do orçamento.

Terceiro, porque o assunto saiu da esfera dos impropérios e acabou na mesa de negociação, com o governo apresentando uma proposta para destravar o impasse na questão orçamentária, agora em análise no Congresso, que prevê manter 15 bilhões de reais em emendas nas mãos do relator-geral (metade do que estava alocado antes). A aprovação da proposta ainda não são favas contadas, mas só o fato de estar em pauta comprova que a disputa entre os poderes voltou ao lugar onde pertencem: no jogo institucional, não na incitação da fúria das ruas.

Banana presidencial

Alguns apoiadores do presidente não gostaram da solução. Os mais radicais foram às redes sociais para dizer que Bolsonaro havia dado "uma banana para os movimentos de rua". Dessa forma, o foco nos protestos do dia 15 diminuiu.

Fica mais difícil sair às ruas para acusar o Congresso de chantagem depois de ficar claro que a Lei Orçamentária, com todos os seus defeitos, foi aprovada graças à articulação da base governista (inclusive do deputado Eduardo Bolsonaro), e que o governo sentiu o peso das afrontas do presidente às instituições democráticas, vendo-se obrigado a recuar e a negociar.

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Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.