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Sexo, mentiras e pendrive: espionagem chinesa no resort de Trump

Diogo Schelp

04/04/2019 13h16

A imigrante chinesa Cindy Yang com Trump no resort Mar-a-Lago. (Foto: Cindy Yang/Facebook)

O presidente americano Donald Trump, ao contrário dos seus antecessores, não gosta muito de passar o seu tempo livre em Camp David, a base militar em Maryland que serve de casa de campo presidencial. Ele prefere o seu resort Mar-a-Lago, na Flórida, uma construção histórica quase centenária que dispõe de 128 quartos para hóspedes. Os agentes do Serviço Secreto, responsáveis pela segurança do presidente, ficam loucos cada vez que Trump realiza um encontro de cúpula no local. Em 2017, hóspedes do resort chegaram a fazer fotos em que ele aparecia ao fundo com o primeiro-ministro japonês.

Esta semana, a encrenca foi mais séria. No sábado, 30, a chinesa Yujing Zhang foi pega dentro do resort com quatro celulares, um laptop e um pendrive contendo malware (vírus de computador que pode servir para invadir os sistemas de um dispositivo para causar dano ou roubar informações). Trump e sua família estavam no local. As autoridades agora investigam se Zhang, que conseguiu passar pelo primeiro posto de controle de segurança do resort, tem ligações com o serviço de espionagem do governo chinês.

Algumas conexões no mínimo constrangedoras já foram estabelecidas. Interrogada pelo Serviço Secreto, Zhang deu várias justificativas para sua presença no local. Primeiro, ela disse que pretendia participar de um evento de uma certa "Associação Sino-Americana das Nações Unidas". Ao ser confrontada com o fato de que não havia nenhuma conferência com esse nome agendada para aquela noite, ela disse que se tratava de um evento de amizade entre Estados Unidos e a China ligado à ONU. Depois, afirmou que um amigo chinês chamado Charles havia dito para ela viajar de Xangai, na China, a Palm Beach, na Flórida, para participar de um evento em que ela teria a oportunidade de falar com familiares de Trump.

De fato, havia um evento agendado por chineses naquela noite no resort de Trump, anunciado no site dos organizadores como "Fórum de Líderes da Elite Internacional" (em tradução livre). Zhang até mostrou um convite em chinês para o fórum. O mesmo evento estava sendo chamado pelo resort como "Noite do Safári". Parece confuso? Espere para conhecer o histórico da organizadora do evento: Cindy Yang.

Cindy Yang é uma imigrante chinesa que já fez de tudo um pouco em sua busca pelo sonho americano. Ela fundou, por exemplo, um rede de spas e casas de massagem na Flórida. Uma dessas casas de massagem, que já não está mais em seu nome, era frequentada por Robert K. Kraft, dono do New England Patriots, time de futebol americano onde joga Tom Brady, marido da modelo brasileira Gisele Bündchen. Pois bem. Kraft foi preso em fevereiro deste ano por pagar por sexo na casa de massagem que pertenceu a Cindy Yang. Prostituição é crime na Flórida.

Cindy Yang é ativa politicamente em grupos apoiados pelo governo chinês e pelo Partido Comunista. E é também politicamente ativa nos círculos republicanos dos Estados Unidos. No ano passado, ela participou de um jantar de arrecadação de fundos para a campanha de reeleição de Trump no resort Mar-a-Lago. Ela pagou 50.000 dólares para ter direito a dois lugares no jantar e poder tirar uma foto com Trump. Como a lei determina um limite de 5.400 dólares para doação individual para campanhas eleitorais, Yang tratou de usar laranjas. Funcionários, amigos e parentes fizeram cada um contribuições de 5.400 dólares até alcançar os 50.000 necessários para ela ter acesso a Trump. O rolo foi denunciado pela imprensa americana como um possível caso de doação irregular de campanha.

Cindy Yang publicou a foto na sua conta do Facebook. Faz sentido ela tentar demonstrar intimidade com Trump: algumas de suas empresas vendem a empresários chineses a participação em eventos exclusivos, que incluem visitas à Casa Branca e atividades VIPs no resort de Mar-a-Lago com a oportunidade de encontrar familiares de Trump. No evento de sábado estava prometida a presença de Elizabeth Trump Grau, irmã do presidente.

E quem é Charles, o amigo da suposta espiã chinesa? Acredita-se que seja Charles Lee, fundador da Associação da Amizade Sino-Americana, que vende pacotes turísticos a cidadãos chineses que querem viajar aos Estados Unidos para participar dos eventos "exclusivos" de Cindy Yang. O pacote de oito dias que incluía a participação na tal Noite do Safári em Mar-a-Lago custou 13.000 dólares.

É muito possível que Yujing Zhang seja apenas uma turista que caiu no conto chinês de Charles Lee e Cindy Yang e simplesmente não conseguiu se explicar para o agente do Serviço Secreto que a prendeu. E talvez ela nem soubesse que tinha um vírus em seu pendrive. Quem nunca teve?

Mas que essa história de pendrive com malware vai ser difícil de explicar, isso vai. Em 2013, o governo russo distribuiu, de brinde, pendrives e carregadores de celular infectados aos delegados dos países que participaram da cúpula do G20, o grupo das 20 nações mais ricas do mundo, ocorrida na Rússia naquele ano. O vírus foi posteriormente analisado por especialistas e descobriu-se que ele tinha por objetivo roubar informações dos computadores e dos celulares dos desavisados que utilizassem os brindes russos.

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Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.


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