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Assange é criminoso e benfeitor ao mesmo tempo

Diogo Schelp

11/04/2019 10h07

Julian Assange (Imagem: Reprodução de vídeo)

O australiano Julian Assange, preso na embaixada do Equador em Londres depois de sete anos de asilo, tem contas a acertar com a Justiça americana. Como fundador e chefe do WikiLeaks, uma organização dedicada a escancarar para o mundo os segredos de governos, empresas e poderosos, ele incentivou o roubo de informações classificadas do governo dos Estados Unidos que colocaram em risco milhares de militares e funcionários americanos que atuavam no exterior na primeira década deste século.

Assange e seus colaboradores sempre argumentaram que eles não roubavam os documentos secretos, apenas ofereciam a plataforma para divulgá-los. O governo americano entende de outra forma: Assange incentivou as pessoas a cometer o roubo de dados para repassar para ele. Essa acusação é especialmente forte no caso de Chelsea Manning, a militar que surrupiou 750.000 documentos diplomáticos e militares. Manning cumpre pena de prisão nos Estados Unidos. Se for extraditado, como tudo indica que vai acontecer, Assange deve ser julgado e ter o mesmo destino. A lei americana é clara para esse tipo de atividade e os Estados Unidos têm todo o direito de requerer sua extradição ao um país parceiro e de julgá-lo.

Dito isso, é preciso reconhecer que muitas das revelações feitas pelo WikiLeaks fizeram o bem ao escancarar o que companhias e governos, principalmente os americanos, fazem às escondidas. Isso inclui crimes de guerra (entre os quais um vídeo de um helicóptero dos Estados Unidos detonando 15 pessoas no Iraque, inclusive dois jornalistas da Reuters); uma contagem bem maior de civis mortos (entre os quais iraquianas grávidas) em checkpoints  do que reconhecido publicamente; detalhes sobre como os espiões americanos conseguem xeretar qualquer cidadão através de seu celular ou computador e sobre a capacidade de hackear os sistemas de carros para provocar acidentes; irregularidades na prisão de Guantánamo, onde são mantidos terroristas e suspeitos de terrorismo; e dados sobre sonegação de impostos de grandes bancos. Enfim, todo tipo de material que qualquer jornalista adoraria ter em mãos.

Além disso, o discurso de "transparência absoluta" do WikiLeaks incentivou o analista americano Edward Snowden a fazer o seu próprio vazamento de documentos secretos, revelando, por exemplo, que o governo americano espionava líderes de países amigos, incluindo do Brasil.

Mais recentemente, o WikiLeaks vazou emails comprometedores da campanha presidencial da democrata Hillary Clinton nos Estados Unidos. Donald Trump chegou a agradecer Assange por isso e a tratá-lo como benfeitor. Depois de eleito, passou a dizer que queria extraditá-lo.

A maior ressalva que se pode fazer a Assange é que ele pegava leve com fundamentalistas árabes, como líderes do grupo libanês Hezbollah, e com o Estado policial do russo Vladimir Putin.

Seu julgamento vai ser um espetáculo.

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Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.


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