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Opção de Guaidó por 'tudo ou nada' já deu errado antes

Diogo Schelp

30/04/2019 11h41

Juan Guaidó com Leopoldo López na terça-feira 30 de abril. (Foto: Leopoldo López/Twitter)

Juan Guaidó, o presidente legítimo da Venezuela, enfrenta um dilema constante desde que foi elevado ao cargo pela Assembleia Nacional de seu país, em janeiro deste ano. A população não suporta mais viver sob o regime inepto, corrupto e opressor de Nicolás Maduro, mas também está cansada das seguidas tentativas frustradas da oposição de reverter o quadro político e de apear o ditador chavista do poder. Por isso, Guaidó sabe que, a cada dia que passa, mais fraco fica o ânimo dos venezuelanos em apoiá-lo e em unir-se aos protestos de rua para pressionar Maduro, que ainda controla a máquina pública e as forças armadas, a sair do Palácio de Miraflores. O dilema de Guaidó é manter o clamor das ruas sem colocar a vida de mais venezuelanos em perigo. Ele já conta com o apoio dos Estados Unidos, que vêm impondo sanções atrás de sanções contra o governo chavista, e da diplomacia dos países vizinhos, mas ainda falta dar a cartada definitiva que o leve ao poder de fato da Venezuela. Suas opções, porém, são limitadas.

Em fevereiro, ele tentou usar a operação de entrega de ajuda humanitária aos venezuelanos para pressionar Maduro. Sua aposta era de que haveria dois cenários possíveis. No primeiro, as forças de segurança agiriam com truculência para impedir a entrada dos caminhões carregados com comida e remédios pelas fronteiras com o Brasil e com a Colômbia, o que levaria a população a se revoltar contra Maduro, forçando-o a deixar o poder. No segundo, os soldados do bolivarianismo, também vítimas da pobreza e do descaso do regime, desobedeceriam a ordem de barrar os caminhões, dando início a uma rebelião militar que se estenderia por todo o país e acabaria por derrubar o apoio das forças armadas ao ditador chavista. Não ocorreu nenhuma das duas.

Os caminhões foram barrados, mas a população não reagiu como se esperava. Houve deserções, mas foram poucas perto do contingente destacado para guardar as fronteiras. Guaidó havia anunciado a operação da ajuda humanitária como o dia D da derrocada de Maduro. Ele chegou a viajar à Colômbia para participar da operação e, depois, entrar triunfante na Venezuela. Acabou tendo que inventar um giro diplomático pelos países da região para não tornar tão evidente que sua viagem havia sido inútil — e também para preparar o terreno e conseguir voltar a Caracas sem ser preso.

A manobra política desta manhã de terça-feira, dia 30 de abril, é mais uma jogada arriscada de Guaidó. Poderíamos dizer também ousada, se render frutos. Mas não está claro como o apoio de um punhado de militares em uma base aérea vai garantir a saída de Maduro. Nas primeiras horas, as principais lideranças do governo reafirmaram seu apoio a Maduro, que disse no Twitter ter também o respaldo da maior parte das forças armadas.

Guaidó está apostando novamente no efeito dominó: ele espera que as imagens dele recebendo o apoio de homens fardados façam os venezuelanos saírem de casa para tomar as ruas e estimulem outros quartéis a se rebelar. Para dar força à ação, tirou da prisão domiciliar o líder opositor Leopoldo López, seu mentor político e líder do seu partido Voluntad Popular, e levou-o consigo para a base aérea. Leopoldo é o preso político mais notório do regime de Nicolás Maduro. Passou três anos atrás das grades e estava desde julho de 2017 em prisão domiciliar por liderar uma manifestação.

Se a estratégia de "tudo ou nada" der certo desta vez, Guaidó promete ocupar o poder apenas pelo tempo necessário para convocar novas eleições livres e justas. López provavelmente sairia candidato, com grande chance de se tornar presidente.

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Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.


Diogo Schelp