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O que deu errado na Argentina do liberal Mauricio Macri

Diogo Schelp

17/05/2019 17h14

O presidente da Argentina, Mauricio Macri (Foto: Ueslei Marcelino/Reuters)

O presidente Jair Bolsonaro leu o semblante de George W. Bush em Dallas, no Texas, e concluiu que o republicano, que ocupou a Casa Branca entre 2001 e 2009, está preocupado com a Argentina. O encontro entre os dois durou 10 minutos e tinha como propósito produzir uma oportunidade de foto (photo op, no jargão jornalístico) para mostrar que a viagem de Bolsonaro aos Estados Unidos, esta semana, não foi perda de tempo. A verdade é que ele não precisaria ir a Dallas se consultar com Bush para saber que todo mundo está preocupado com a Argentina.

Estive na Venezuela para cobrir as eleições legislativas de 2015, poucos meses depois de Mauricio Macri derrotar Cristina Kirchner para a presidência argentina. A vitória de Macri teve um efeito impressionante sobre o humor do eleitorado venezuelano. O que eu mais escutei das pessoas em Caracas era que Macri havia provado que era possível vencer o bolivarianismo. Os venezuelanos se sentiram tão energizados com o exemplo argentino que foram às urnas mais esperançosos — e de fato derrotaram o chavismo, elegendo uma Assembleia Nacional com maioria de opositores. (Depois o ditador Nicolás Maduro deu um golpe institucional, cerceando os poderes dos deputados, mas isso é outra história.)

Cito a reação venezuelana à eleição de Macri para mostrar o quanto esse fato político foi simbólico para a América Latina, representando um verdadeiro marco, a partir do qual foi interrompido o avanço do populismo de inspiração chavista na região.

Macri assumiu um país com alta taxa de desemprego, pobreza crescente e inflação de mais de dois dígitos ao ano. Prometeu reformas e uma política econômica responsável. Mas as coisas não saíram conforme o esperado. A inflação deve fechar 2019 com o índice de 40,5%, segundo o Banco Central argentino, e a proporção de pobres está ainda maior do que quando Macri assumiu. Os defensores de uma política econômica liberal no Brasil estão embasbacados com esses resultados, que podem acabar levando Cristina Kirchner de volta ao poder nas eleições que acontecem em outubro deste ano.

Conversei com Thomaz Favaro, diretor da consultoria Control Risks, para explicar o que deu (ou está dando) errado no governo Macri. Favaro recorda que Macri reverteu algumas das principais políticas danosas do governo Kirchner, como o controle de capitais e os subsídios para serviços públicos, e reduziu impostos de importação. Os Kirchner (Cristina e Néstor, seu antecessor e falecido marido) haviam entregado o governo com uma dívida baixa (tendo inclusive acertado as contas com o FMI), mas era preciso atacar o déficit fiscal e trazer de volta os investidores externos.

Uma das críticas que se faz ao começo do governo Macri é que a política de ajuste fiscal foi gradual, com uma elevação suave e paulatina dos juros. "Isso foi possível porque Macri tinha crédito internacional", diz Favaro. Ou seja, o governo argentino começou a se endividar novamente. Quando começou o ano de 2018, porém, na metade do mandato, dois fenômenos da conjuntura internacional derrubaram a política de Macri do cavalo criollo.

O primeiro foi a valorização do dólar no contexto do crescimento da economia americana e da elevação da taxa de juros nos Estados Unidos, o que incentivou os investidores a saírem dos mercados emergentes. O segundo foi a guerra tarifária entre Estados Unidos e China, que também levou à fuga de capitais de mercados considerados mais vulneráveis, como a Argentina.

A esse cenário somou-se um erro do governo. A equipe de Macri sempre teve uma meta otimista para a inflação, mas não conseguiu cumpri-la em 2017 e, apesar disso, em janeiro de 2018, optou por reduzir a taxa de juros. "O Banco Central argentino deu um sinal negativo para o mercado, de que não estava tão preocupado com a inflação", diz Favaro. Os investidores já estavam com a pulga atrás da orelha com a Argentina. A decisão do Banco Central foi decisiva para incentivá-los a tirar seu dinheiro do país. Em março de 2018, houve uma debandada de investidores e situação degringolou, culminando em um empréstimo de quase 60 bilhões de dólares junto ao FMI e na adoção de medidas heterodoxas, como o regime cambiário com um teto e um piso para o valor do dólar e o congelamento de preços para cerca de 60 itens de consumo.

A lição do caso argentino é que não dá para confiar num cenário externo favorável e adiar uma agenda macroeconômica que crie condições para o crescimento a longo prazo. Macri priorizou medidas de microeconomia, voltadas para melhorar o ambiente de negócios, mas procrastinou na agenda macro, descuidando das contas públicas.

Não me arrisco a ler o semblante de Jair Bolsonaro para saber se essa lição faz parte de suas preocupações no que se refere à Argentina.

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Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.


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