Como o Brasil pode se beneficiar de ameaça feita pela China aos EUA
Diogo Schelp
29/05/2019 11h59
Os presidentes Xi Jinping. da China, e Donald Trump, dos EUA (Foto: Andrew Harnik/AP)
O governo chinês costuma usar a imprensa estatal para passar recados para o mundo que não podem ser dados via diplomacia oficial. O último foi a ameaça de deixar os Estados Unidos sem acesso às terras raras, minerais essenciais para a fabricação de equipamentos de alta tecnologia, de smartphones a carros elétricos, passando por turbinas eólicas e aparelhos militares. A China tem a maior reserva de terras raras do mundo e atende 80% da demanda dos Estados Unidos por esses elementos químicos (são 17, que vão do latânio ao lutécio).
A ameaça de fechar a torneira da exportação de terras raras para os Estados Unidos é uma resposta à elevação de tarifas aos produtos chineses por decisão do presidente Donald Trump e ao boicote do governo americano à Huawei, uma empresa chinesa de tecnologia. Sem as terras raras, a indústria de tecnologia americana sofreria um grande baque.
Ocorre que o Brasil tem a segunda maior reserva de terras raras do mundo e possui grande potencial para reduzir a dependência mundial da produção chinesa. Segundo artigo publicado na revista In the Mine em fevereiro de 2018, estima-se que o Brasil possua 16% das reservas mundiais de terras raras. Há estudos para a localização e futura exploração de terras raras e outros minerais nas profundezas do mar, ao alcance do litoral brasileiro. Estima-se que no fundo do Oceano Atlântico existam grandes reservas de terras raras pesadas, as mais valiosas do grupo.
O problema é que o país está atrasado na exploração desses minerais. Seria preciso investir mais em pesquisas e criar uma cadeia de valor. Foi o que a China fez. Além disso, o país asiático praticamente obriga as empresas estrangeiras de tecnologia a se instalar por lá para ter acesso a suas terras raras, que existem em alta concentração na mina de Bayan Obo, a maior do mundo. Em 2010, a China chegou a cortar temporariamente a exportação de terras raras para o Japão, por causa de uma tensão causada por uma disputa territorial.
Os países com as maiores indústrias de alta tecnologia, o que inclui os Estados Unidos e a Europa, enxergam grande vantagem estratégica em ter outros fornecedores de terras raras à mão para escapar das chantagens chinesas. Com os incentivos corretos e parcerias externas, o Brasil está bem posicionado para ocupar esse papel.
Sobre o Autor
Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).
Sobre o Blog
“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.