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Mohamed Mursi, eleito democraticamente, não era um democrata

Diogo Schelp

17/06/2019 16h11

Mohamed Mursi

Apoiadores de Mursi protestam contra seu julgamento (Agência Efe)

As circunstâncias dramáticas da morte de Mohamed Mursi, ex-presidente do Egito, em um tribunal do Cairo, nesta segunda-feira (17) não devem servir de desculpa para distorcer sua biografia. Mursi cumpria pena pela morte de manifestantes durante os protestos que levaram à sua deposição, em 2013, e respondia a alguns outros processos. Os julgamentos aos quais ele era submetido não tinham nada de justos. Afinal, o Egito, atualmente, é governado por uma ferrenha ditadura militar. Dizer que Mursi foi apeado do poder por ser um democrata, porém, é um grande exagero.

Mohamed Mursi foi eleito presidente em junho de 2012 em um processo democrático, após a deposição do ditador Hosni Mubarak, no ano anterior. Integrante da Irmandade Muçulmana, um grupo fundamentalista islâmico que tomou um banho de loja de moderação para vencer as eleições, Mursi não compreendeu que a vitória nas urnas não lhe dava o direito de desmantelar liberdades recém-conquistadas. Entre outras coisas, ele começou a desfazer o caráter laico do Estado egípcio, prendeu cidadãos por blasfêmia, deu a si mesmo superpoderes e adotou medidas para reduzir a capacidade do Judiciário e do Legislativo de servir de contrapeso ao Executivo.

Entre outras coisas, seus parlamentares trataram de suprimir da Constituição artigos como o que dava às mulheres os mesmos direitos dos homens. Puxadas de tapete como essas, somadas à crise econômica que o país enfrentava sob o seu governo, levaram milhares de pessoas às ruas nos meses seguintes.

Os protestos, como nos velhos tempos de Mubarak, foram violentamente reprimidos, até que Mursi foi deposto em um golpe liderado pelo general Abdel Fatah Al-Sisi. Nada justifica o regime ditatorial que se instalou em seguida. Mas o fato de ter sido vítima de um golpe de Estado não faz de Mursi um democrata.

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.


Diogo Schelp