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Armar a população reduz a criminalidade?

Diogo Schelp

05/07/2019 15h05

Armas para que te quero (Erbs Jr./FramePhoto/Folhapress)

O presidente Jair Bolsonaro insiste em seus planos de flexibilizar o porte e a posse de armas para a população civil. Já escrevi antes que a medida é uma cortina de fumaça que envolve a questão da segurança pública no Brasil. Isso não quer dizer que não se deva reconhecer o direito da população de ter armas de fogo. Apenas que elas não são a solução para a alta criminalidade que vigora no país.

Aqueles que defendem a flexibilização do porte e da posse de armas como forma de combater a criminalidade estão errados. Quem afirma o contrário, que colocar mais armas nas mãos de civis levará invariavelmente a um aumento nos índices de violência, também está equivocado. Os números internacionais mostram que não há uma relação direta entre os dados de posse de armas e as estatísticas de mortes violentas.

Observe inicialmente a seguinte lista de países, ricos e pobres, com alta e baixa proporção de armas na população:

Índice de armas de fogo por 100 habitantes

Estados Unidos

120,5

Canadá

34,7

Áustria

30

Paquistão

22,3

França

19,6

Alemanha

19,6

Venezuela

18,5

Austrália

14,5

Honduras

14,1

Croácia

13,7

México

12,9

Bélgica

12,7

Chile

12,1

Guatemala

12,1

El Salvador

12

Colômbia

10,1

Costa Rica

10

Dinamarca

9,9

Brasil

8,3

Argentina

7,4

Israel

6,7

Índia

5,3

Reino Unido

4,6

China

3,6

Bolívia

2

Equador

2,4

Japão

0,3

Fonte: Small Arms Survey

 

Agora, veja como esses mesmos países se enquadram nos grupos de altos, médios, baixos e muito baixos índices de homicídios:

Países com 20 ou mais mortes violentas por 100.000 habitantes (alto)

Brasil, Honduras, El Salvador, Colômbia, Guatemala, Venezuela

Entre 10 e 19,9 mortes violentas por 100.000 habitantes (médio)

Bolívia, México, Paquistão

Entre 3 e 9,9 mortes violentas por 100.000 habitantes (baixo)

Estados Unidos, Argentina, Equador, Costa Rica, Índia

Menos de 3 mortes violentas por 100.000 habitantes (muito baixo)

Canadá, Reino Unido, França, Alemanha, Bélgica, Áustria, Dinamarca, Israel, Japão, China, Croácia

No grupo dos países com índices muito baixos de mortes violentas, estão tanto aqueles com alta concentração de armas nas mãos de civis, como Canadá e Áustria, quanto os que têm pouquíssimas armas entre os cidadãos, como o Reino Unido, o Japão e a China.

Já nos grupos de países com alto ou médio índice de mortes violentas, há tanto nações com baixa (Bolívia) quanto com média ou alta concentração de armas (Honduras, Venezuela e Paquistão).

Se uma população civil bem armada fosse determinante para reduzir a criminalidade, os Estados Unidos não deveriam estar no grupo de países com índices de mortes violentas equivalentes aos da Índia e do Equador, cujas populações quase não têm acesso a armas de uso pessoal. E a Dinamarca e a Argentina, países onde as proporções de armas nas mãos de civis são parecidas com as dos Brasil, correriam o risco de ter níveis brasileiros de mortes violentas.

As taxas de crimes violentos de uma sociedade são definidas por um conjunto de fatores sociais, econômicos, culturais e institucionais. Não adianta buscar soluções mágicas. O que funciona na segurança pública é criar emprego para a população, investir em corporações policiais melhores, aumentar a eficiência da Justiça e acabar com a impunidade.

O resto é cortina de fumaça.

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Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.


Diogo Schelp