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Mais um opositor russo pode ter sido envenenado; por que isso é tão comum

Diogo Schelp

29/07/2019 11h57

Alexei Nalvani é preso durante protesto em junho (Foto: Vasily Maximov/AFP)

O líder opositor russo Alexei Nalvani, que foi condenado no dia 24 a um mês de prisão por convocar uma grande manifestação política no fim de semana anterior, foi levado às pressas para o hospital neste domingo (28) de manhã com sintomas como rosto inchado, coceiras e erupções cutâneas. Nesta segunda-feira (29), porém, os médicos do hospital disseram que Nalvani teve uma alergia e ele foi enviado de volta para a cadeia. A médica pessoal de Nalvani, porém, que o analisou no hospital, disse que os sintomas sugeriam envenenamento, não alergia, e que era muito cedo para que recebesse alta.

Se Nalvani foi de fato envenenado, isso só pode ter ocorrido na prisão. Seria surpreendente que as autoridades russas permitissem que um opositor fosse envenenado sob sua custódia? Isso não poderia ser interpretado como uma admissão de culpa ou conivência? Não e sim. O longo histórico de envenenamento de opositores mostra que o serviço secreto e as forças de repressão da Rússia não se importam em serem os principais suspeitos. Por um simples motivo: é muito difícil provar que são os culpados e, ademais, as consequências são pífias.

Aqui está uma lista de desafetos do Kremlin que foram vítimas de envenenamento.

  •  Em 1978, quando a União Soviética ainda existia, o escritor búlgaro Georgi Markov estava em um ponto de ônibus em Londres, na Inglaterra, quando um homem o cutucou na perna com a ponta de um guarda-chuva. O objeto continha uma agulha com ricina, um veneno extraído da mamona. Markov foi levado para o hospital, mas não resistiu à mamona assassina. O episódio serve para lembrar que a Rússia capitalista herdou os métodos da União Soviética na perseguição a opositores;
  • Em 2002, já no governo de Vladimir Putin, agentes a serviço do Kremlin enviaram uma carta contendo sarin, uma substância letal, ao rebelde checheno Samir Saleh Abdullah, condinome Khattab, que acabou morrendo;
  • Em meio à campanha presidencial da Ucrânia, em 2004, Viktor Yushchenko, candidato de oposição anti-Rússia, ficou subitamente doente e reapareceu com o rosto desfigurado. A suspeita era a de que havia sido contaminado com dioxina. Yushencko sobreviveu e venceu as eleições, mas seu rosto nunca mais voltou ao normal;
  • Também em 2004, a jornalista Anna Politkovskaya, que denunciava a atuação russa na guerra da Chechênia, adoeceu gravemente depois de tomar chá em um avião com destino à Beslan, onde ocorreu um massacre a uma escola cometido por radicais islâmicos. No hospital, uma enfermeira lhe disse que havia sobrevivido a uma tentativa de envenenamento. Politkovskaya foi assassinada a tiros dois anos depois no prédio onde morava, em Moscou. Os assassinos foram condenados em um julgamento complicado e demorado — mas nunca se chegou aos mandantes do crime;
  • Em 2006, o desertor russo Alexander Litvinenko, um ex-espião, teve seu chá envenenado com polônio-210, uma substância radioativa. Litvinenko teve uma morte lenta e dolorosa, mas manteve-se lúcido tempo o suficiente para acusar o serviço secreto russo por seu assassinato;
  • Karinna Moskalenko, advogada de Politkovskaya, foi envenenada na França, provavelmente com mercúrio, e precisou cancelar uma viagem que faria a Moscou para acompanhar o julgamento dos assassinos de sua falecida cliente. Ela ficou doente, mas sobreviveu; 
  • O empresário russo Alexander Perepilichny, que havia entregado provas à Justiça suíça de um esquema de fraudes envolvendo autoridades russas, morreu subitamente em Londres, em 2012. A perícia encontrou traços de uma planta rara e tóxica, chamada gelsemium, no estômago do empresário;
  • O jornalista russo Vladimir Kara-Murza dizia ter sobrevivido a duas tentativas de envenenamento, em 2015 e 2017. Ele morreu neste domingo (28), de causa não revelada;
  • Em março de 2018, o ex-espião russo Sergei Skripal, que foi condenado na Rússia por ter atuado como agente duplo para o serviço secreto britânico, foi envenenado junto com a filha Yulia, em Londres, por uma substância letal chamada Novichok. Ambos sobreviveram depois de alguns meses internados. Skripal vivia exilado no Reino Unido depois de uma troca de prisioneiros com a Rússia. O episódio abalou fortemente a relação entre o governo britânico e o de Vladimir Putin, que negou ter ordenado o assassinato. 

Por que os agentes russos optam por envenenar seus desafetos e inimigos? Litvinenko dizia que a razão é que os russos veem essa como uma arma como qualquer outra, com a vantagem de dificilmente deixar pistas para os culpados. Além disso, é uma ótima forma de espalhar o pânico entre os inimigos e passar a mensagem de que nenhum deles está a salvo, mesmo quando se refugiam em países ocidentais.

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Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.


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