Topo

Jair Bolsonaro ou Greta Thunberg: façam suas apostas

Diogo Schelp

20/09/2019 04h00

Greta

A ativista sueca Greta Thunberg, de 16 anos, em depoimento à Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, na quarta-feira 18 (Foto: Kevin Lamarque/Reuters)

Salvo alguma reviravolta médica que o obrigue a ficar de repouso, o presidente Jair Bolsonaro irá mesmo a Nova York na próxima semana para fazer o primeiro discurso da abertura oficial da Assembleia Geral da ONU, na terça-feira (24).

O roteiro da sua fala aparentemente já saiu do forno, depois de ter sido sovado em reunião esta semana da qual participaram os ministros Ernesto Araújo, das Relações Exteriores, e Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, e o seu filho Eduardo Bolsonaro, deputado federal e eterno candidato a embaixador nos Estados Unidos.

Por falar em "sovado", diz-se por aí que o discurso vai ser uma sova nos líderes mundiais que andaram apontando o dedo verde para Bolsonaro, acusando-o de estar destruindo a Floresta Amazônica. Por isso se entende Emmanuel Macron, presidente da França.

Bolsonaro promete usar a tribuna para marcar seu rompimento com a diplomacia Sul-Sul da era petista, exaltar o combate à corrupção e demonstrar de uma vez por todas que o Brasil protege, sim, a Amazônia.

Para convencer, o presidente teria que demonstrar real preocupação com o tema do aquecimento global — mas isso parece fora de cogitação, pois a diplomacia brasileira não foi capaz sequer de apresentar propostas que a credenciasse para discursar na Cúpula do Clima da ONU desta semana, que antecede a Assembleia Geral.

IMAGEM RUIM

Um discurso nem lá, nem cá, defensivo, apenas terá o efeito de reforçar a péssima imagem que o Brasil angariou nos últimos meses em questões ambientais — depois de anos de esforços diplomáticos para vender o país como um campeão da defesa do meio ambiente e do comprometimento com a causa do combate ao aquecimento global.

Essa imagem ruim já começa causar danos objetivos para o Brasil. Esta semana, o parlamento austríaco votou contra o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul. Se a moda pega, o acordo de livre comércio, costurado com tanto custo ao longo de anos de diplomacia séria, vai para o vinagre.

Para entender o "clima", no sentido figurado, em que Bolsonaro vai ser recebido na ONU, é útil observar quem é a pessoa que, às vésperas do discurso do brasileiro, está atraindo todas as atenções em Nova York e em Washington.

Trata-se de Greta Thunberg, uma estudante sueca de 16 anos que cruzou o Oceano Atlântico em um veleiro para participar da Cúpula do Clima e que deu até um depoimento sobre mudanças climáticas na Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, na última quarta-feira (18).

Greta é uma ativista ambiental e tem duas coisas em comum com Bolsonaro. A primeira é que ela não aceita discutir. Para ela, o aquecimento global existe e é causada pelo homem e ponto final. Assim como Bolsonaro, só que em lado oposto, ela não tem paciência para debater detalhes ou ponderar este ou aquele fato.

Segundo, Greta passa sua mensagem de maneira muito simples e direta. Em outras palavras, as soluções que ela apresenta são radicais, beirando o tosco de tão simplistas. A culpa do aquecimento global é da humanidade? Então que os humanos parem de usar carros e viajar de avião, diz Greta. Usem trem, que polui menos, diz ela (ainda que a resposta não seja tão simples, pois dependendo do trem, pode emitir mais gases do efeito estufa por passageiro que um avião).

NÚMERO DOIS

Lembra um pouco, mas sem escatologia, a sugestão de Bolsonaro para que as pessoas façam o número 2 (não confundir com o2) dia sim, dia não, para não prejudicar o meio ambiente. Pensando bem, as soluções de Greta soam até um pouco mais sofisticadas.

A maioria das pessoas, como já se sabe, se sentem mais confortáveis e se encantam com mensagens e soluções simples para problemas complexos.

Depois do grande discurso que promete revelar ao mundo a verdade sobre o desempenho ambiental do Brasil, saberemos quem se saiu melhor na conquista de corações e mentes na ONU. Bolsonaro ou Thunberg?

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.


Diogo Schelp