Trump usou política externa para prejudicar provável adversário em 2020
Diogo Schelp
22/09/2019 04h00
O presidente americano Donald Tump (Foto: Joshua Roberts/Reuters)
Já ouviu falar em Ucrâniagate? Pois conheça aqui os os fatos básicos do nascimento de um novo escândalo envolvendo o presidente americano Donald Trump e que tem tudo para substituir o Russiagate — aquele que incluía tratativas entre a equipe de campanha do candidato republicano e a Russia para prejudicar a adversária democrata Hillary Clinton, nas eleições de 2016.
O que se sabe até agora: um funcionário de um órgão de inteligência do governo americano fez uma denúncia interna para os superiores sobre algo que o presidente fez de errado envolvendo conversas e outras ações relacionadas à Ucrânia.
A imprensa americana foi atrás e descobriu que um dos aspectos da denúncia tem a ver com um telefonema de 25 de julho em que Trump insistiu com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky para que ele escutasse os apelos de seu advogado particular, o ex-prefeito de Nova York Rudolph Giuliani, para que o país do Leste Europeu investigue o filho de Joe Biden, o ex-vice-presidente e principal pré-candidato democrata à presidência, por suposta corrupção em negócios ligados a uma empresa de gás natural ucraniana.
Ufa, como assim? Dá para ir por partes? Vamos lá. 1) Trump ligou para Zelensky, da Ucrânia; 2) pediu que ele atendesse à solicitação para mandar investigar o filho do seu provável adversário nas eleições do ano que vem. 3) um agente de inteligência dos Estados Unidos denunciou aos superiores uma irregularidade relacionada a essa conversa de Trump com a Ucrânia.
Hunter Biden, o caçula do pré-candidato democrata, atuava como lobista na Ucrânia e um de seus clientes era uma empresa de energia com interesses nos Estados Unidos.
INCENTIVO OU CHANTAGEM
Só que a a Ucrânia não atendeu ao pedido de Trump, e nenhuma investigação envolvendo Biden ou seu filho foi iniciada. "Coincidentemente" (só que não), o governo Trump suspendeu por várias semanas um programa já aprovado de ajuda militar à Ucrânia.
Vejamos o que há de errado nisso.
Premissa número 1: um governante não pode usar a máquina pública para obter vantagens eleitorais que lhe permitam permanecer no cargo. Premissa número 2: a política externa consiste em perseguir objetivos ou resolver problemas de um país por meio de ações voltadas a outras nações ou entidades estrangeiras. Premissa número 3: a diplomacia e outros instrumentos da política externa são parte da máquina pública.
Ora, ao suspender a ajuda militar à Ucrânia como forma de "incentivar" o presidente ucraniano a ordenar uma investigação que poderia causar danos à imagem de seu mais provável adversário eleitoral nas próximas eleições, Trump está claramente usando a máquina pública em benefício próprio.
Mais uma vez, da mesma forma que fez no caso do Russiagate, Trump tratou de classificar as notícias sobre suas conversas com a Ucrânia de "caça às bruxas".
Sobre o Autor
Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).
Sobre o Blog
“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.