Local de discurso de Bolsonaro foi prisão de luxo há apenas dois anos
Diogo Schelp
30/10/2019 04h22
Fachada do hotel Ritz Carlton, em Riade (Foto: Divulgação)
De Riade*
A Iniciativa de Investimentos Futuros (FII, na sigla em inglês), fórum onde o presidente Jair Bolsonaro discursa nesta quarta-feira (30) para um plateia composta por empresários e altos executivos de todo o mundo, está acontecendo no centro de conferências do Ritz Carlton, hotel de luxo em Riade, na Arábia Saudita, que serviu de prisão para duas centenas dos mais poderosos membros da realeza, empresários e militares do país no final de 2017, a mando do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman.
O hotel teve que suspender as reservas comuns. As suítes suntuosas foram ocupadas por bilionários sauditas e rivais de bin Salman na sucessão ao trono, levados para lá pela guarda nacional.
O governo apresentou a manobra como o ápice de uma campanha de combate à corrupção. Mais do que isso, foi uma forma de bin Salman se fortalecer e tirar do caminho possíveis adversários à concentração de poder em suas mãos.
Ao longo dos meses que se seguiram, os detidos fizeram acordos bilionários para obter a libertação e a garantia de não serem processados (nem todos conseguiram). Segundo as autoridades sauditas, foram recuperados 100 bilhões de dólares em recursos que haviam sido desviados ou obtidos de maneira fraudulenta.
Entre os que pagaram para sair da prisão dourada estão o príncipe Miteb bin Abdullah, que chegou a ser cogitado para suceder ao trono e que desembolsou 1 bilhão de dólares para ganhar a liberdade, e o príncipe Alwaleed bin Talal, que está na lista dos 50 homens mais ricos do mundo da Forbes e que fechou um acordo estimado em 6 bilhões de dólares para ser solto.
Nem todos escaparam, porém. O general Ali al-Qahtani, ligado ao príncipe Turki bin Abdullah (filho do rei Abdullah, falecido em 2015) morreu no Ritz Carlton. Segundo relatos da imprensa internacional, seu corpo tinha marcas de queimadura e o pescoço estava quebrado. O governo saudita negou que ele tenha morrido sob tortura.
Na passagem de Bolsonaro, o lobby do Ritz Carlton, adornado por estátuas equestres douradas, não dá pistas do episódio mais dramático da Guerra dos Tronos saudita. Na hora do almoço, o local é ponto de encontro de centenas de empresários árabes, asiáticos e ocidentais fazendo contatos e discutindo investimentos bilionários. Ou seja, realizando o sonho do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman de fazer do FII sua Davos do deserto.
O lobby do hotel Ritz Carlton, em Riade (Foto: Divulgação)
* O jornalista viajou a convite do governo da Arábia Saudita.
Sobre o Autor
Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).
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“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.