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Bolsonaro superestima seu 'canal aberto' com Trump

Diogo Schelp

02/12/2019 10h51

Bolsonaro e Trump

Os presidentes Jair Bolsonaro e Donald Trump (Foto: Twitter/ Divulgação)

"Se for o caso, ligo pro Trump, eu tenho um canal aberto com ele", disse o presidente Jair Bolsonaro na manhã desta segunda-feira (2) ao saber que o colega americano havia acabado de anunciar no Twitter que vai retomar as tarifas de importação de aço e alumínio do Brasil e da Argentina.

A própria maneira como foi feito o anúncio americano, porém, indica que o tal 'canal aberto' não é tão aberto assim.

O governo brasileiro foi pego de surpresa pela decisão de Trump, que vinculou a medida ao fato de as moedas do Brasil e da Argentina estarem passando por um processo de desvalorização em relação ao dólar — "o que não é bom para os nossos fazendeiros", afirmou o americano.

Em um contexto normal de relações bilaterais, uma decisão como a de Trump não seria anunciada sem uma conversa prévia, nos bastidores, entre diplomatas e técnicos de comércio exterior dos dois países.

O presidente americano, como se sabe, não adota o procedimento padrão das negociações bilaterais. Em sua guerra tarifária com a China, por exemplo, anúncios como o que ele fez hoje a respeito do aço e do alumínio brasileiros são recorrentes e servem ao propósito de aumentar sua força de negociação.

A questão é que o governo brasileiro, ao contrário do chinês, é um aliado declarado do americano. Se essa história de 'canal aberto' com Trump fosse para valer, o americano não precisaria resolver questões comerciais com o Brasil com um porrete na mão.

Se tivesse conversado com o brasileiro, Trump poderia ter recebido a explicação de que o Brasil não está promovendo uma política intencional de desvalorização do real diante do dólar para favorecer as exportações. Se bem que não dá para culpar o americano por ter chegado a essa conclusão, já que, há menos de uma semana, o ministro da Economia Paulo Guedes disse nos Estados Unidos que não está preocupado com as flutuações do dólar.

Em março de 2018, Trump elevou as tarifas de importação de aço e alumínio, mas isentou temporariamente da cobrança alguns países, entre os quais o Brasil. Agora, com a desculpa da desvalorização cambial, Trump reverteu a decisão de um ano e meio atrás.

O episódio mostra que Bolsonaro confia mais na aliança com Trump do que vice-versa.

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.


Diogo Schelp