O presidente tem, sim, tudo a ver com encrencas do filho
Diogo Schelp
19/12/2019 14h44
O clã Bolsonaro (Foto: Flickr)
"Pretendo beneficiar um filho meu, sim. Se eu puder dar um filé mignon para o meu filho, eu dou, sim." Lembram-se dessas frases? Elas foram ditas pelo presidente Jair Bolsonaro em julho deste ano para justificar sua insistência em nomear o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), seu filho, para o cargo de embaixador do Brasil nos Estados Unidos.
Compare aquelas declarações com esta aqui, ditas nesta quinta-feira (18): "O Brasil é muito maior do que pequenos problemas. Eu falo por mim. Problemas meus podem perguntar que eu respondo. Dos outros, não tenho nada a ver com isso."
Os "pequenos problemas", de que pequenos não têm nada, referem-se à suspeita de que o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), também filho do presidente, participou de um esquema para lavar dinheiro de "rachadinha" em seu gabinete, no período em que foi deputado estadual no Rio de Janeiro (2007 a 2018).
Jair Bolsonaro não precisa estar entre os alvos da operação do Ministério Público para que a sociedade se sinta no direito de exigir explicações sobre os atos do filho por uma razão simples: como ele mesmo já deixou claro muitas vezes, seu projeto político e o de sua família são um só, são indissociáveis.
Eduardo e Flávio Bolsonaro tiveram votações espetaculares em 2018 na esteira do movimento político que elegeu seu pai à presidência. E estiveram envolvidos desde o princípio nas discussões que definiram os rumos do governo. O filho Carlos, também político, vereador no Rio de Janeiro, foi o estrategista digital da campanha e continuou tendo esse papel durante a presidência.
Os integrantes do clã Bolsonaro, portanto, não são personagens com vidas profissionais independentes da do pai.
Em mais de uma ocasião, o presidente deixou claro que os filhos estavam à frente de qualquer outra lealdade política que pudesse existir. Ou todos já se esqueceram da fritura de Gustavo Bebianno, ex-ministro da Secretaria-Geral, por causa de um capricho de Carlos Bolsonaro?
Ou quando, em outubro, o presidente manobrou nos bastidores para colocar o filho Eduardo na liderança do PSL na Câmara, passando por cima do ocupante do posto, o delegado Waldir (GO)?
Responsabilidade
Em janeiro, Jair Bolsonaro disse que as investigações envolvendo o nome de Flavio eram uma tentativa de atingir o governo. Depois, em abril, disse que havia um complô para afastar os filhos dele.
Pais poderosos não são, a priori, responsáveis pelas ações dos filhos. Mas, no caso de uma família com uma vida pública tão simbiótica, é justo perguntar o que o pai sabe ou não sobre as encrencas em que eles se metem.
E não seria nem preciso lembrar que o pivô da investigação sobre a rachadinha e as relações com as milícias do RJ, o PM aposentado Fabrício Queiroz, tornou-se assessor de Flávio na Assembleia Legislativa do estado graças à amizade de décadas com o pai Jair.
Jair Bolsonaro sempre deixou claro que estava disposto a valer-se da coisa pública para dar filé mignon para os filhos (cargo em embaixada, direito de demitir ministros, etc). Agora, de repente, não tem nada a ver com o que eles fazem ou faziam com a tal res publica?
O presidente deve, sim, uma resposta condizente sobre o caso para a sociedade brasileira.
Sobre o Autor
Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).
Sobre o Blog
“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.