Salles pediu dinheiro dos países ricos para a Amazônia. É hora de aceitar?
No início de junho, muito antes de estourar a atual crise diplomática envolvendo as políticas do governo Jair Bolsonaro para a Amazônia, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, concedeu uma longa entrevista a este blog defendendo que os países ricos financiem o pagamento de serviços ambientais no Brasil. Eis o trecho da entrevista, publicada em 8 de junho deste ano:
O desmatamento segue seu ritmo. Qual é a solução?
É preciso oferecer uma alternativa econômica aos proprietários rurais que se dispuserem, dentro do marco legal que é o Código Florestal, a não desmatar. Por isso, defendemos o pagamento por serviços ambientais. Por meio desse mecanismo, queremos remunerar os proprietários que optarem por preservar as áreas com florestas que eles teriam direito de utilizar na produção agropecuária.
Na prática, isso significa pagar para que se mantenha a floresta de pé?
Apenas a porção de mata que exceder aquilo que o Código Florestal já prevê que o proprietário é obrigado a preservar, ou seja, a reserva legal. (De acordo com o Código, há uma porcentagem mínima da área de uma propriedade que é preciso manter com vegetação natural intacta, e que, de bioma para bioma, varia de 20% a 80%.) Esse é o modelo que eu vou apresentar na reunião entre ministros do Meio Ambiente do G20 (grupo dos 20 países mais ricos do mundo) este mês, no Japão. Nós vamos dizer "olha, vocês não querem que a gente faça a preservação de praticamente toda a nossa área? Então vocês têm que nos ajudar a pagar por isso".
Como mensurar esse pagamento? Quanto o agronegócio perde por causa das exigências ambientais brasileiras?
A agropecuária brasileira é extremamente sustentável e, na minha opinião, um exemplo de preservação para o mundo. Isso é alcançado pela própria dinâmica do trabalho rural brasileiro, que também foi se adaptando, é verdade, às pressões ambientais, ao próprio Código Florestal, à tecnologia e aos investimentos. Matematicamente falando, porém, produzir de maneira mais sustentável, mantendo certas áreas intocadas, em razão da reserva legal do Código Florestal, pode ser traduzido em custo ou, pelo menos, em renúncia de receita. Essa mensuração de quanto custa a preservação ambiental no Brasil é justamente o argumento que precisamos usar para essas duas questões: quanto o mundo vai pagar para o Brasil pela sua boa prática de preservação e como a produção brasileira vai internalizar esse ganho daquilo que ela está fazendo. Claro que é importante preservar, não é só pelo dinheiro. Afinal, a própria dinâmica da preservação ajuda na produtividade da agropecuária. São coisas que se retroalimentam.
A proposta de Salles era de pagamento por serviços com impacto de longo prazo. Mas ela abre uma brecha para Bolsonaro deixar de lado o orgulho ferido pelas ofensas dirigidas pelo presidente francês Emmanuel Macron (que chamou o brasileiro de mentiroso) e aceitar as ofertas de apoio financeiro para conter o atual pico de desmatamento na Floresta Amazônica.
Uma das propostas a ser colocada na mesa durante o encontro do G7 que começou hoje na França é a de oferecer ajuda internacional para conter o fogo.
O governo brasileiro pode achar que aceitar a oferta será interpretado como um reconhecimento de que as queimadas atuais na floresta são uma emergência sem precedentes, e não um problema sazonal, como tem declarado.
Por outro lado, pode ser o álibi de que os líderes europeus que não querem ver o acordo União Europeia-Mercosul fracassar (o que inclui a chanceler alemã Angela Merkel) e o governo brasileiro precisam para baixar o tom do atual crise.
Afinal, como disse Salles, eles "não querem que a gente faça a preservação de praticamente toda a nossa área? Então têm que nos ajudar a pagar por isso".
Por esse princípio, se a ajuda for oferecida, não seria o caso de aceitar?
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