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Diogo Schelp

Evo Morales consegue o exílio que tentou negar ao senador Roger Molina

Diogo Schelp

12/11/2019 17h07

Evo Morales no México

Evo Morales chega à Cidade do México nesta terça-feira, 12 (Foto: Luis Cortes/Reuters)

Um dos episódios mais cruéis da presidência de Evo Morales, que se encerrou de maneira melancólica neste domingo (10), foi a perseguição política ao ex-senador boliviano Roger Pinto Molina, a quem ele negou o salvo-conduto para asilar-se no Brasil.

Tudo começou em março de 2011, quando Molina foi à sede do governo boliviano para entregar um dossiê com provas do envolvimento de aliados políticos do presidente Evo Morales com o narcotráfico. Em vez de mandar investigar as denúncias, Morales passou a usar o aparato estatal e judicial para colocar Molina atrás das grades, sob a acusação de atos de corrupção e do massacre de indígenas quando era governador do Departamento de Pando.

Molina pediu asilo na embaixada brasileira em La Paz em maio de 2012, mas o governo boliviano recusou-se a conceder-lhe o salvo-conduto necessário para que ele saísse da representação diplomática em direção ao aeroporto para viajar ao Brasil.

Como resultado, o senador passou 484 dias vivendo em uma pequena sala da embaixada brasileira, até que o diplomata Eduardo Saboia colocou-o em um carro e levou-o até Corumbá, no Brasil, numa viagem que durou 22 horas.

Molina teve uma vida modesta no Brasil, longe da família, até morrer em um acidente aéreo em Goiás, em agosto de 2017. Ele pilotava o próprio avião de pequeno porte, que usava para prestar serviços de taxi aéreo.

Ironicamente, em sua fuga para o México, Evo Morales contou com a anuência do governo de Jair Bolsonaro, que autorizou que a aeronave fornecida pelo presidente mexicano Manuel Lopez Obrador cruzasse o espaço aéreo brasileiro.

Isso porque a aeronave precisou reabastecer no Paraguai, mas não tinha permissão para retornar ao espaço aéreo boliviano rumo ao México — e a autorização do Peru ainda não havia chegado. Segundo o chanceler mexicano Marcelo Ebrard, o avião com Evo Morales teve que contornar a fronteira da Bolívia, sobre o território brasileiro.

Quando ocorreu o impasse com Roger Molina, o Brasil era governado pela petista Dilma Rousseff. A aliança ideológica entre o PT e Evo Morales não impediu o Itamaraty de obedecer à sua tradição de concessão de asilo político — e, a bem da verdade, tampouco contribuiu para que Evo deixasse de lado a teimosia e atendesse aos apelos do embaixador brasileiro para dar o salvo-conduto ao senador.

Agora governado por Bolsonaro, a diplomacia brasileira manteve a coerência e deu a Morales o corredor aéreo de que precisava para ir tomar tequila com Obrador.

O mundo dá voltas, aymará.

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.