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Diogo Schelp

Trump fez tuítes xenófobos (e insiste neles) de olho na reeleição

Diogo Schelp

18/07/2019 13h05

Trump

O presidente Donald Trump pelas lentes do procurador-geral William Barr, na Casa Branca, na terça-feira (16) (Foto: Leah Millis/Reuters)

O Prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz concedeu uma entrevista à revista Foreign Policy, em maio, em que identificou, com preocupação, que o Partido Democrata está se movendo demais para a esquerda. A reportagem, cujo título é "Um ícone da esquerda diz aos democratas: não se tornem socialistas", destaca logo no começo a ironia do conselho. "No último quarto de século, nenhum outro economista se esforçou tanto quanto Joseph Stiglitz para evitar que o Partido Democrata vá em direção ao centro", escreveu o jornalista Michael Hirsh. Stiglitz mudou de posição porque quer os democratas de volta no poder. Ele sabe de algo que o presidente Donald Trump também sabe.

Quanto mais Trump radicaliza seu discurso e suas ações em pautas conservadoras e em questões como a imigração ilegal, mais a oposição vai na direção contrária. Do ponto de vista eleitoral, esse é o cenário perfeito para Trump. Quando os democratas assumem posições mais à esquerda, ele consegue atribuir a eles com mais facilidade a pecha de radicais. Isso afasta eleitores moderados do campo democrata e energiza a base trumpista. Em resumo, a radicalização à direita favorece Trump, mas a radicalização à esquerda não beneficia os democratas. Os recentes ataques xenófobos de Trump pelo Twitter contra quatro deputadas da ala mais à esquerda da bancada democrata na Câmara dos Representantes tinham exatamente o propósito de explorar esse bizarro fenômeno político.

Relembrando: Trump tuitou, no último domingo (14), que "congressistas democratas 'progressistas"' deveriam "retornar" aos países de onde vieram. Foi uma referência a quatro parlamentares que, por sua atuação aguerrida contra o presidente, são conhecidas como o "squad" ("esquadrão"): Alexandria Ocasio-Cortez, de Nova York, Ilhan Omar, do Minnesota, Rashida Tlaib, de Michigan, e Ayanna S. Pressley, de Massachusetts. Apenas uma delas, Ilhan Omar, nasceu no exterior. Como Trump obviamente já esperava, seu comentário provocou uma ruidosa reação. A Câmara acabou votando uma moção de repúdio contra o presidente, liderada pela presidente da casa, a democrata Nancy Pelosi. 

Segundo o jornal The New York Times, Trump vibrou com o resultado de seus ataques e disse a assessores que havia conseguido "casar" Pelosi às quatro parlamentares "radicais". Ou seja, seu objetivo era o unir os democratas em torno do "esquadrão" para provar aos eleitores que a bancada de oposição inteira é radical — ou "socialista", para recorrer à expressão usada por Stiglitz.

Tanto que, na quarta-feira (17), durante comício na Carolina do Norte, Trump voltou à carga contra as deputadas: "Essas ideólogas de esquerda veem nossa nação como uma força do mal." A plateia respondeu em coro: "Mande-as de volta! Mande-as de volta!"

Trump

Eleitores de Trump xingam manifestante infiltrado em comício do presidente em Greenville, na Carolina do Norte, na quarta-feira (17) (Foto: Jonathan Drake/Reuters)

Temendo jogar ainda mais lenha na fogueira, no mesmo dia Pelosi matou um pedido de impeachment contra Trump, protocolado pelo deputado democrata Al Green, da chamada "bancada negra" da Câmara dos Representantes, e embasado justamente nos comentários racistas do presidente.

Mas as críticas de Stiglitz à guinada à esquerda dos democratas não eram direcionadas apenas à ala mais radical do partido. O tom da pré-campanha democrata como um todo, que reúne nada menos que 25 pretendentes, inclinou-se à esquerda, como mostraram os debates realizados no mês passado. Entre as ideias apresentadas estão a criação de uma cobertura de saúde universal chamada de Medicare for All que, na avaliação dos especialistas, levaria os hospitais do país à falência; medidas para suspender o uso de combustíveis fósseis em um prazo de 10 anos; permitir o voto para presidiários; legalizar o aborto sem limites e descriminalizar os imigrantes que entraram ou vivem no país sem visto, além de conceder a eles cobertura médica completa.

Por mais que se possa, por princípio, concordar com uma ou outra dessas medidas, o fato é que elas se encaixam no que há de mais esquerdista no pensamento político dominante no país. Do ponto de vista eleitoral, têm tudo para resultar em desastre.

Trump já está colhendo os frutos do tom adotado na briga dos democratas pela nomeação para a disputa presidencial, que ocorre no ano que vem. Sua popularidade aumentou quatro pontos percentuais desde fevereiro, segundo a média das pesquisas de opinião feita pelo site RealClearPolitics, chegando a 44,6%.

Trump está deixando claro que sua estratégia de campanha será a mesma de 2016. Só que, dessa vez, com uma ajudinha dos democratas.

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.