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Diogo Schelp

Caso ucraniano já tem primeiros presos, mas a economia salva Trump

Diogo Schelp

11/10/2019 15h56

Marie Yovanovitch

Marie Yovanovitch, ex-embaixadora dos EUA na Ucrânia, chega para o depoimento aos deputados, na sexta-feira, 11 (Foto: Jonathan Ernst/Reuters)

Uma paulada no enxame. Esse foi o efeito da revelação, feita no mês passado, de que o presidente americano Donald Trump pediu ao colega da Ucrânia — e possivelmente usou dinheiro público como forma de pressão — para que investigasse um de seus principais adversários políticos, o democrata Joe Biden. Conforme o caso vai sendo investigado, surgem novos detalhes sórdidos. Os mais recentes saíram de um depoimento a portas fechadas da ex-embaixadora americana na Ucrânia, Marie Yovanovitch, nesta sexta-feira (11), a uma comissão da Câmara dos Representantes que investiga o episódio para um possível processo de impeachment de Trump.

Nesta quarta-feira (9), ocorreram as primeiras prisões de pessoas envolvidas na campanha trumpista para conseguir da Ucrânia informações comprometedoras a respeito de Joe Biden e seu filho, Hunter, que trabalhava para uma empresa de gás do leste europeu com interesses nos Estados Unidos.

Os dois detidos são Lev Parnas and Igor Fruman, que trabalham com Rudolph Giuliani, ex-prefeito de Nova York e advogado particular de Trump. Eles foram indiciados nesta quinta-feira (10) por terem, no ano passado, financiado ilegalmente a campanha de um congressista que, posteriormente, se empenhou em pressionar pela demissão da embaixadora Yovanovitch.

Coincidência?

Aliados de Trump acreditavam que a embaixadora estava atrapalhando os esforços da Casa Branca para convencer o governo ucraniano a investigar os Biden. O tema é uma obsessão de Trump e de seus conselheiros mais próximos. Giuliani já admitiu publicamente, em entrevista à imprensa, que estava empenhado em conseguir ajuda da Ucrânia para obter informações politicamente bombásticas contra Biden.

Marie Yovanovitch confirmou, em seu depoimento aos deputados, que a pressão de Giuliani e de pessoas ligadas a ele acabaram levando a Casa Branca tirá-la do posto de embaixadora, em maio, e que isso podia estar relacionado ao fato de que esses indivíduos a viam como uma ameaça para seus interesses financeiros na Ucrânia, por causa da postura anti-corrupção da embaixada.

Segundo o conteúdo do indiciamento de Lev Parnas e Igor Fruman pelo FBI, a polícia federal americana, os dois associados de Giuliani atuaram em conjunto com um ou mais integrantes do governo ucraniano que queriam ver Yovanovitch pelas costas.

Ela não relacionou sua demissão diretamente a uma suposta recusa em contribuir para que Biden fosse investigado.

Mas, quando se cruza o depoimento de Yovanovitch com os detalhes da prisão dos parceiros do advogado de Trump, descobre-se que eles atuavam de maneira ilegal com pelo menos dois propósitos: fritar Yovanovitch para proteger corruptos ucranianos insatisfeitos com a atuação anti-corrupção dela e fritar Yovanovitch porque acreditavam que ela estava atrapalhando os planos de conseguir ajuda para descobrir atos de corrupção envolvendo os Biden.

Os dois propósitos parecem contraditórios (em um protegem corruptos, no outro querem expor corruptos), mas são os dois lados da mesma moeda: a disposição dos encarregados de Trump de recorrer a qualquer meio para obter vantagens políticas para o presidente.

É a economia, estúpido

Até que ponto Trump estava envolvido diretamente em tudo isso? Mais uma vez, essa pode ser a chave de sua ruína.

No estágio atual, porém, o enxame de problemas que o caso ucraniano representa não supera o maior trunfo de Trump para as eleições do ano que vem, em que tentará um novo mandato: a economia está do seu lado.

A taxa de desemprego é a mais baixa dos últimos 50 anos e a inflação anual está em apenas 1,4% ao ano.

Do tal enxame de escândalos precisa sair uma abelha com um ferrão bem grande para conseguir ferir os planos eleitorais de Trump.

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.