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Diogo Schelp

Ofensa de Guedes não prova que governos do PT foram um sucesso

Diogo Schelp

15/02/2020 04h00

Guedes

O ministro da Economia, Paulo Guedes (Foto: Wilson Dias/Agência Brasil)

O ministro da Economia, Paulo Guedes, deu um presentão para a oposição ao afirmar que, quando o dólar era barato, "era uma festa danada", pois tinha "empregada doméstica indo para a Disneylândia". A frase não foi tirada de contexto, como afirma a tropa digital do bolsonarismo, e de fato desnuda o elitismo desse governo. Como exemplo retórico, em uma campanha eleitoral, é evidente que vai ser usada para mostrar que até o ministro de Bolsonaro admite que bom mesmo era nos tempos do PT, quando todos tinham acesso a moeda forte para viajar aos Estados Unidos.

Mas, em sendo verdade, a afirmação não serve para concluir que a política econômica dos quase 14 anos em que o Partido dos Trabalhadores esteve no poder foi um sucesso. Evidentemente, qualquer pessoa de bom senso e que não gosta de viver numa bolha social almejaria viver em um país em que não houvesse tanta disparidade de renda e em que certos sonhos de consumo não fossem restritos a uma parcela tão pequena da população.

Populismo cambial

A questão é que o chamado populismo cambial, ou seja, manter a moeda nacional valorizada em relação ao dólar, apenas dá a falsa impressão de redução da desigualdade, ou melhor, não é uma maneira sustentável de atingir esse objetivo.

Uma taxa de câmbio baixa barateia não apenas as viagens internacionais, mas também as importações. A população passa a ter acesso a produtos mais baratos, é fato, mas o saldo do comércio com outros países fica negativo, a indústria nacional sofre com a concorrência e, no longo prazo, isso afeta a oferta de emprego. De maneira simplificada, essa é a crítica que desenvolvimentistas como Luiz Carlos Bresser-Pereira fazem à política do dólar barato.

Mas esse nem é o ponto central do sucesso ou não da política econômica nos governos do PT. Afinal, a cotação nominal do dólar oscilou abaixo dos 2 reais apenas entre 2007 e 2012, segundo dados do Ipea. A chave para entender a economia sob o PT é outro tipo de populismo, o fiscal — quando o Estado gasta de maneira irresponsável.

Crescimento e queda

Os oito anos da gestão Lula foram marcados por bons índices de crescimento do PIB, em grande parte por causa do ambiente externo favorável. Tanto que só se retraiu, em 2009, pelo impacto de uma crise mundial. Durante boa parte do governo Lula, a China crescia à impressionante taxa de mais de 10% ao ano e os preços das commodities bombavam.

Para completar, Lula ficou deslumbrado com a descoberta de petróleo no pré-sal, com a expectativa de que isso ia fazer jorrar petrodólares nos cofres públicos.

Como na fábula da cigarra e da formiga, porém, não se adotou a regra de poupar na época de fartura para aguentar o tranco nos momentos de carestia. Já no final do seu primeiro mandato, Lula aumentava os gastos públicos a uma taxa superior ao crescimento do PIB.

A gastança aprofundou-se no governo de Dilma Rousseff. A variação do PIB estagnou em 2014 e foi negativa nos últimos dois anos de seu mandato, em 2015 e 2016.

Também em 2016, o número de brasileiros vivendo na extrema pobreza retornou ao patamar de 2005, depois de ter atingido o seu nível mais baixo em 2014. Em números absolutos, quase 5 milhões de cidadãos foram devolvidos ou empurrados pela primeira vez para a miséria. A massa de desempregados aumentou em 3 milhões de pessoas apenas nos últimos doze meses do governo Rousseff.

A declaração de Paulo Guedes sobre a possibilidade de empregadas domésticas visitarem a Disney ("peraí", disse o ministro) é indefensável e já está custando caro ao governo (como escrevi aqui). Já usá-la para provar que a economia sob o PT era um sucesso não passa no crivo dos fatos.

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Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.