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O mistério dos navios 'fantasmas' de petróleo na Venezuela

Diogo Schelp

13/09/2019 14h31

Presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, em Caracas
(Foto: Manaure Quintero/Reuters)

Nos tempos das caravelas e dos piratas, as histórias de navios fantasmas, que singravam os mares sozinhos, sem tripulação, dominavam a imaginação de marinheiros e passageiros. Agora, em pleno século XXI, onde tudo é interconectado e localizável, a tentativa do regime de Nicolás Maduro de driblar as sanções americanas criou uma nova categoria de embarcações fantasmas: a de navios petroleiros que "somem" do rastreamento por satélite internacional quando se aproximam de portos venezuelanos.

Desde junho, três petroleiros tiveram seus transponders desligados por seus capitães ao atingir águas venezuelanas. Dois deles, Marina M e Princess Mary, estavam a serviço da Rosneft, a estatal russa de petróleo e gás. O outro, Patmos I, era contratado pela Tipco Asphalt, uma empresa asiática de asfalto e outros derivados de petróleo, com sede na Tailândia.

Com base em imagens de satélite, a agência Reuters confirmou que o Marina M foi carregado com petróleo na Venezuela em julho. Mas o transponder estava desligado. Várias semanas depois, seu sinal de rastreamento foi recuperado ao seu aproximar de um porto na Índia.

Suspeita-se que os "sumiços" das embarcações sejam uma tentativa de ocultar das autoridades americanas os novos compradores do petróleo venezuelano.

PETRÓLEO OCULTO

As sanções contra a PDVSA, a estatal de petróleo da Venezuela, país que tem as maiores reservas do recurso fóssil do mundo, são a principal arma do governo americano para pressionar pela queda do ditador Nicolás Maduro.

Uma parte da oposição venezuelana — assim como o ex-conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, John Bolton, demitido esta semana pelo presidente americano Donald Trump — preferiria uma abordagem, digamos, mais militar para a saída de Maduro.

As sanções americanas contra o petróleo venezuelano começaram em janeiro deste ano (depois de restrições financeiras adotadas ainda em 2017) e se intensificaram em agosto, somando-se também a bloqueios de contas de mais de uma centena de altos funcionários chavistas.

Pode-se argumentar que as sanções não foram capazes de enfraquecer Maduro a ponto de tirá-lo do poder, mas não há dúvida de que foram eficazes em estrangular a principal fonte de recursos de seu governo.

Ao congelar as contas e os bens das subsidiárias da PDVSA nos Estados Unidos, até recentemente o maior importador de petróleo da Venezuela, o governo americano obrigou Maduro a correr atrás de outros compradores: sendo os mais óbvios deles a China, a Rússia e a Índia.

Mas as novas medidas adotadas em agosto por Trump tornam arriscado para empresas que fazem negócios nos Estados Unidos seguirem como clientes também da PDVSA.

CHINA EM RETIRADA

Como resultado, a estatal de petróleo chinesa CNPC está deixando de comprar petróleo da Venezuela. No mês passado, a empresa cancelou o transporte de 5 milhões de barris de petróleo venezuelano. Em julho, a importação do produto venezuelano pela China já havia sofrido uma queda de 62% em relação ao mês anterior.

Decisões como essa fizeram a produção de petróleo venezuelana despencar nos últimos meses, de uma média de 1,9 milhão de barris por dia, em 2017, para 800 mil barris por dia este ano. Ou seja, a produção caiu para menos da metade.

A Rússia está substituindo a China como comprador, mas apenas parcialmente.

Com a saída de John Bolton, a hipótese de uma intervenção militar americana na Venezuela torna-se mais distante, mas a estratégia de estrangular o regime com sanções deve continuar.

Abre-se, também, a possibilidade de que o governo americano opte por abrir uma brecha para uma saída negociada com o regime Maduro. Mas antes, vai espremer até que a situação fique insustentável para o venezuelano. É o estilo Trump de negociar.

Se vai dar certo, é outra questão. Com a Coreia do Norte, até agora, não deu.

 

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.


Diogo Schelp