Gerar empregos é única ajuda anti-emigração que Bolsonaro pode dar a Trump
Um funcionário do terceiro escalão do governo americano cobrou mais empenho do Brasil em conter a alta de imigrantes brasileiros ilegais nos Estados Unidos. O tal funcionário — Ken Cuccinelli, secretário-adjunto interino do Departamento de Segurança Interna — falou como se estivesse exigindo prova de amor. Para ele, fazer mais para ajudar os Estados Unidos a combater a imigração ilegal é o que se espera de "um bom aliado". Como se sabe, o governo de Jair Bolsonaro não se cansa de fazer juras de amor incondicional (e aparentemente não correspondido) ao presidente americano Donald Trump.
Mas a verdade é que não há muito o que o governo brasileiro possa fazer para ajudar os americanos em sua campanha anti-imigração. O motivo para isso é que, nas relações internacionais, da mesma forma que um país não pode submete os próprios cidadãos às leis de outro país, tampouco lhe cabe interferir nessas leis. Em outras palavras, quando um brasileiro se encontra nos Estados Unidos, está sujeito às leis locais, mas não cabe ao seu país de origem, no caso o Brasil, aplicá-las.
Questionado sobre as deportações de brasileiros que entraram ou viviam ilegalmente nos Estados Unidos e sobre o fato de alguns deles terem sido algemados, Bolsonaro disse que "a lei americana diz isso, é só você não ir para os Estados Unidos de forma ilegal" — no que ele tem uma boa dose de razão.
A frase de Bolsonaro implica no reconhecimento de que os Estados Unidos são um país soberano para estabelecer as regras que quiser no que se refere a coibir a entrada e a permanência de imigrantes. Mas a mesma premissa impede o Estado brasileiro de cooperar com as ações americanas para combater a imigração de brasileiros.
"Todo cidadão brasileiro, esteja onde ele estiver, está sob o amparo da Constituição Federal. Mesmo que ele viva ilegalmente em outro país, continuará tendo os mesmos direitos que qualquer outro cidadão perante o Estado brasileiro", diz o diplomata Paulo Roberto de Almeida. Um demonstração prática disso é que os serviços consulares no exterior não fazem distinção entre brasileiros "legais" ou "ilegais". O status imigratório deles sequer é questionado quando recorrem a um consulado para tirar um passaporte ou registrar um filho, por exemplo.
Cuccinelli quer que o governo Bolsonaro dê autorização para que aviões fretados pousem no Brasil trazendo brasileiros deportados. Até aí, nada de errado. O problema é ele espera também que o Estado brasileiro pague pelo fretamento desses aviões. Isso equivale ao governo americano exigir que o México banque o muro que Trump pretende erguer na fronteira entre os dois países para impedir a entrada de imigrantes.
O governo Bolsonaro não pode evitar que brasileiros deixem seu país para tentar ganhar a vida legal ou ilegalmente nos Estados Unidos. "Isso não é compatível com um Estado democrático", diz Almeida.
Impedir a saída de brasileiros sem contas a prestar com a Justiça equivaleria à prática cubana de aprisionar os próprios cidadãos na ilha caribenha, sob o risco de a ditadura comunista se extinguir por falta de povo.
Bolsonaro certamente não quer que o Brasil se transforme em um país-prisão como Cuba.
Preocupação legítima
O tema da imigração ilegal brasileira tornou-se urgente para o governo americano por uma questão quantitativa: o número de brasileiros detidos tentando entrar nos Estados Unidos disparou no último ano.
Cerca de 18.000 brasileiros foram apreendidos pela guarda de fronteira dos Estados Unidos em 2019, a grande maioria na fronteira com o México. Em anos anteriores, o número de brasileiros detidos pelas autoridades americanas (e não apenas pela guarda de fronteira) nunca passou de 3.800, aproximadamente.
Basta observar o gráfico abaixo para se ter uma ideia do tamanho do problema.
Em 2018, 814 brasileiros foram devolvidos ao Brasil pelas autoridades dos Estados Unidos, segundo dados do governo americano. Se as deportações tivessem ocorrido na mesma proporção em 2019, 5.400 brasileiros teriam que ter sido enviados de volta.
O aumento impressionante no número de brasileiros detidos tentando entrar ilegalmente nos Estados Unidos deveria preocupar, e muito, o governo Bolsonaro — mas não pelos motivos que defende o governo americano.
A preocupação deve ser: qual é a explicação para tal aumento? É possível que a alta no número se deva em parte aos esforços redobrados da fiscalização e do patrulhamento de fronteira por parte das autoridades americanas. Mas o componente social não deve ser descartado. A lenta retomada da economia brasileira não está cumprindo seu papel de criar oportunidades para que os brasileiros optem por ficar no Brasil?
"Esse fenômeno só vai começar a diminuir quando aumentar a oferta de emprego no Brasil", diz Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Washington. Em 2019, as estatísticas mostraram sucessivos incrementos na criação de vagas de trabalho no país, mas o Brasil ainda tem quase 13 milhões de desempregados.
A maneira mais eficiente de o governo Bolsonaro conter a emigração massiva de brasileiros para os Estados Unidos é criando políticas que estimulem a economia e a geração de empregos.
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