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Faz sentido pedir saída de Jair Bolsonaro em meio à crise do coronavírus?

Diogo Schelp

17/03/2020 13h49

O presidente Jair Bolsonaro cumprimenta apoiadores em manifestação que pediu fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal na frente do Palácio do Planalto, em Brasília (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress)

Já está mais do que claro que o presidente Jair Bolsonaro não é qualificado para liderar o país no enfrentamento à dupla crise epidemiológica e econômica que se avoluma a cada dia.

Tanto é assim que ele descumpriu as recomendações de sua equipe médica (já são 13 os infectados pelo coronavírus no seu entorno) e do seu próprio governo ao juntar-se aos manifestantes do dia 15 de março, em Brasília. Tanto é assim que ele sequer participou da videoconferência de chefes de Estado da América do Sul para discutir a pandemia. Tanto é assim que ele não integra o comitê de crise criado nesta segunda-feira pelo governo para lidar com os efeitos da pandemia. Tanto é assim que ele não estava presente na reunião entre representantes da cúpula dos três poderes para coordenar ações conjuntas contra a crise. Tanto é assim que, em vez de valorizar o bom trabalho que seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, vem fazendo, revela a tentação de fritá-lo. Tanto é assim que, ao ser questionado pela inércia, demonstra só conseguir enxergar disputas políticas em tudo o que está acontecendo.

Apesar de tudo isso, é de se raciocinar se os pedidos de impeachment e de renúncia que estão brotando inclusive em setores que o apoiavam até pouco tempo atrás são justificados ou, no mínimo, adequados para o momento que o país enfrenta.

Entre as vozes mais indignadas estão as de Janaína Paschoal (PSL), deputada estadual em São Paulo, que foi uma das autoras do impeachment da presidente Dilma Rousseff e chegou a ser cogitada para ser candidata a vice de Bolsonaro. Paschoal pediu a renúncia de Bolsonaro pela irresponsabilidade de sua participação na manifestação no domingo (15). Ela diz que não há tempo para um processo de impedimento do presidente. O deputado federal Alexandre Frota (PSDB-SP) adotou outra linha e decidiu protocolar pedido de impeachment contra Bolsonaro.

Há pelo menos três argumentos para não iniciar o afastamento do presidente Jair Bolsonaro — ou, pelo menos, para não fazê-lo agora.

O primeiro é o impacto que um processo político dessa gravidade causaria na dupla crise de saúde pública e econômica que já se desenrola no país. Em um momento de incerteza sobre a capacidade do sistema de saúde de absorver os casos mais graves de pacientes contaminados nas próximas semanas e em que os mercados demonstram uma desconfiança aguda em relação ao futuro econômico do país, tudo de que a nação precisa agora é de um mínimo de estabilidade. Pode-se argumentar que o próprio presidente está contribuindo para o clima de incerteza e desconfiança, mas atuar pela sua saída do cargo não parece o meio mais seguro para reverter o quadro.

O segundo argumento é o efeito de médio e longo prazo que um novo afastamento de um presidente teria sobre a saúde da democracia brasileira. Não se passaram nem quatro anos desde que Dilma Rousseff teve seu mandato abreviado. Os eleitores brasileiros precisam entender as consequências de eleger aventureiros, líderes messiânicos e pessoas despreparadas para a cadeira presidencial.

O terceiro argumento diz respeito ao fato de que os gritos de impeachment e renúncia podem favorecer Bolsonaro politicamente, da mesma forma que o presidente americano Donald Trump saiu-se fortalecido do processo de impeachment, que o absolveu no Senado, este ano.

Aliás, Bolsonaro parece estar atuando deliberadamente para que seus adversários peçam sua cabeça e já está usando o discurso de vítima a seu favor. Nesta segunda-feira (16), Bolsonaro disse que "seria um golpe isolar chefe do Executivo por interesses não republicanos". Ele se referia aos presidentes da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre. Esse tipo de retórica é justamente o que mantém em alerta a militância bolsonarista — na qual, cada vez mais, Bolsonaro se ampara para garantir um mínimo de legitimidade para permanecer no cargo e, talvez, virar o jogo rumo a um estágio mais autoritário de seu governo.

O caos político favorece Bolsonaro, pois é nele que um político com pendor autoritário se fortalece.

Outro dos autores do impeachment de Rousseff, o jurista Miguel Reale Júnior sugeriu submeter Bolsonaro a um exame de sanidade mental. Seria um precedente deletério. O leque de condições psiquiátricas que justificariam o afastamento de um presidente poderia ser bastante amplo. O que dizer, por exemplo, de um chefe de Estado com problema de alcoolismo, como já tivemos no Brasil? Seria o caso de impedi-lo de governar, também? O presidente americano Ronald Reagan foi diagnosticado com Alzheimer cinco anos depois de encerrar seu governo, em janeiro de 1989, mas havia indícios de que apresentava sintomas da doença enquanto ainda exercia seu mandato. Isso seria uma justificativa para afastar um presidente, também?

Por enquanto, a melhor opção é mesmo deixar que o próprio Bolsonaro se imponha uma camisa de força presidencial, mantendo-se ausente das decisões cruciais, econômicas e sanitárias, para enfrentar a atual crise. É melhor deixá-lo falando sozinho e pressionar seus colaboradores de perfil técnico, como Paulo Guedes, da Economia, e Mandetta, da Saúde, por medidas urgentes e consistentes, em parceria com o Congresso e o Judiciário.

O resto é lenha na fogueira da crise.

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Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.


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