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Diogo Schelp

Bolsonaro pedindo calma e união é motivo para pânico

Diogo Schelp

07/03/2020 12h04

Pronunciamento de Bolsonaro

Clientes de loja em Brasília assistem ao pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro sobre o coronavírus (Foto: Adriano Machado/Reuters)

Primeiro ele pede união para combater o coronavírus, depois investe na desunião para combater os supostos inimigos de seu governo.
Em meio ao aumento de casos confirmados de pacientes infectados com o novo coronavírus no país, com impacto na bolsa de valores e na projeção do PIB, o presidente Jair Bolsonaro resolveu entrar em campo para pedir calma e união. "Claro que pode aumentar bastante, tá? Mas a melhor maneira de você evitar o problema é não entrar em pânico e seguir as orientações", disse ele no final da tarde desta sexta-feira (6). Depois, em pronunciamento na televisão, reforçou: " O momento é de união. Ainda que o problema possa se agravar, não há momento para pânico."

A mensagem do presidente está correta. O pânico causado pelo alastramento da doença é pior do que a doença em si. Como demonstra a evolução da epidemia na China, que registrou o primeiro dia sem nenhum caso novo de paciente com coronavírus, o avanço da doença pode ser contido com as medidas adequadas.

O problema é o mensageiro. Quando, em mais de um ano de mandato, o presidente Jair Bolsonaro pediu calma e união aos brasileiros? Ao contrário, ele esteve sempre entre os principais incentivadores do pânico e da desunião.

Podemos lembrar de maio de 2019, quando milhares de manifestantes foram às ruas das cidades do país para protestar contra cortes de verbas para a educação. Bolsonaro reagiu a uma crítica legítima de uma parcela da população chamando os manifestantes de "idiotas úteis", atacando uma jornalista que lhe fez uma pergunta sobre o assunto e compartilhando, via WhatsApp, um texto, até aquele momento de autoria anônima, sugerindo que sem os "conchavos", o Brasil era "ingovernável".

"O Sistema vai me matar", escreveu Bolsonaro, ao compartilhar o texto, que visava a colocar lenha na fogueira de uma manifestação a favor do governo, marcada para o dia 26 daquele mês.

O episódio provocou pânico entre congressistas e ministros do Supremo Tribunal Federal, cada vez mais convencidos de que o governo flertava com a ideia de uma ruptura institucional — ou seja, um golpe. Enquanto o próprio presidente demonstrava, com o texto, pensar que o movimento contrário é que estava em curso.

Menos de um ano depois, o presidente novamente recorre à desagregação nacional em um momento de fragilidade política. Primeiro, compartilhou conteúdo conspiracionista em um grupo de WhatsApp, dessa vez em vídeos convocando as manifestações a favor do governo e contra o Congresso e o STF, marcadas para o próximo dia 15. Neste sábado, reafirmou a convocação em discurso em Boa Vista.

Um presidente que inflama as ruas contra os outros dois poderes da República não é um presidente que busca a união ou a tranquilidade nacional.

Assim como não pode ser chamado de pacificador ou unificador um presidente que ataca, com ofensas de cunho pessoal, jornalistas — representantes do que alguns estudiosos chamam de o Quarto Poder, igualmente essencial para uma sociedade democrática.

Pode-se ponderar que o alastramento do coronavírus é uma questão distinta dos embates políticos que motivam o presidente a ser o desagregador-mor da sociedade brasileira.

A palavra-chave aqui, porém, é confiança. Como o presidente que sustenta todos os seus atos em um discurso de "nós contra eles" pode esperar que a parcela da população que representa, em seu imaginário, o "eles" confie em suas palavras?

Como presidente democraticamente eleito, Jair Bolsonaro deveria ter legitimidade para pedir calma e união. Como o presidente desagregador que é, contudo, ele não tem essa legitimidade.

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Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.