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Para os aiatolás do Irã, quanto mais mortes, melhor

Diogo Schelp

07/01/2020 18h58

O aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do Irã, "chora" a morte do general Solimani (Foto: Reprodução/Iran Press/AFP)

O presidente americano Donald Trump deu um presentão para o aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do Irã, seu inimigo declarado. Há apenas dois meses, o regime teocrático do Irã enfrentava protestos populares motivados pela falência econômica do país (que começou como reação à alta do preço da gasolina, uma tendência das últimas manifestações mundo afora) e que foram esmagados à força, com um saldo de mais de 100 mortos. Mas isso ficou oculto no noticiário internacional.

As mortes que interessam ao regime são aquelas que podem ser atribuídas aos americanos. A primeira foi a do general Qassim Solimani, eliminado por uma bomba lançada por um drone americano sobre o carro em que acabara de embarcar ao chegar a Bagdá para um misterioso encontro com o vice-líder de uma milícia xiita iraquiana.

O presidente Hassan Rouhani e o aiatolá Khamenei, que é quem realmente dá as cartas no país, antes encurralados pela insatisfação popular, agora têm um mártir para aglutinar o povo novamente ao seu redor.

Para reforçar a mensagem, Khamenei até derramou umas lágrimas bem ensaiadas diante do cadáver de Solimani e dos outros mortos no ataque americano.

As outras mortes foram "conquistadas" no enterro de Solimani, nesta terça-feira (7). Mais de 50 pessoas morreram pisoteadas em um tumulto que se formou em meio aos milhares de iranianos que tomaram as ruas para dar adeus ao mártir. Ou seja, são mais cinco dezenas de pessoas que o regime ganha para jogar na conta dos americanos. Cinquenta mortos são 50 novos funerais em que os mortos serão apresentados como mártires.

"Infelizmente, alguns compatriotas perderam suas vidas devido ao excesso de pessoas. (…) Envio minhas condolências aos familiares das vítimas, aos devotos de Alá e àqueles que foram mártires de seu mártir", disse Rouhani em comunicado.

Mártires do mártir. Nada como reavivar o medo da ameaça externa para controlar os corações e as mentes internamente.

Por fim, com o ataque com mísseis e foguetes contra duas bases militares utilizadas pelos Estados Unidos no Iraque, o Irã testou os limites da imprevisibilidade de Trump. Se o americano não revida, os aiatolás cantam vitória e mostram que conseguiram intimidar a superpotência. Se revida, pode provocar mais mortes de iranianos, produzindo mais mártires.

O que está em jogo, vale lembrar, é a disputa de poder regional entre Irã e Arábia Saudita, uma monarquia absolutista que não perde em nada para os iranianos em termos de perseguição a opositores e opressão da população.

A motivação de Trump para bombardear o comboio de Soleimani ainda não foi devidamente esclarecida. O general estaria tramando um ataque. Mas qual ataque?

Por enquanto, o que se sabe é que o americano deu um presentão para os aiatolás. Um, não. Vários.

(Atualizado às 12h46 de 08/01/2020.)

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Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.


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